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A dificuldade de parar o carro em São Paulo

Pesquisa realizada pela consultoria EY a pedido de VEJA SÃO PAULO revela quais são os bairros com menos áreas livres e os estacionamentos mais caros da cidade

Por Angela Pinho
Atualizado em 1 jun 2017, 17h29 - Publicado em 29 nov 2013, 19h06

O dia ainda clareia quando os primeiros motoristas começam a estacionar nas redondezas da Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, no Brooklin. Às 7h30, não existe mais nenhuma vaga grátis por ali. Quatro horas depois, a Alameda Jaú, nos Jardins, está lotada de carros à espera dos alunos do Colégio Dante Alighieri. Por volta do horário do almoço, é preciso desembolsar o equivalente a uma sobremesa para chegar de automóvel a algum dos restaurantes do Itaim. No início da noite, o suplício se repete nas imediações da PUC, em Perdizes. Mesmo encontrando lugar na rua, quem não paga a um flanelinha dificilmente consegue parar. A qualquer hora do dia na capital, deixar o veículo perto de seu destino pode se tornar um inferno.

Uma pesquisa realizada pela consultoria EY em quinze distritos do centro expandido mostra essa realidade. Somados, eles deveriam abrigar 509 000 carros por dia, mas há espaço para apenas 384 000. Sobram, portanto, 125 000 motoristas, que ficam rodando em busca de lugar, aumentando o congestionamento. “Se reuníssemos esses automóveis, seria possível formar uma fila até Belo Horizonte”, diz o consultor Antonio Uras, responsável pelo estudo que analisou cerca de 3 000 estacionamentos. Em dezembro, a situação fica pior. Mesmo com o fim do período letivo — o que teoricamente deveria trazer impacto positivo ao trânsito —, as compras de Natal fazem a lentidão no pico da tarde aumentar 5% em relação à média anual. No entorno de shoppings, o aperto é mais evidente: lojistas do setor preparam-se para receber um movimento até 30% maior nas próximas semanas.

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Segundo o levantamento inédito, o maior gargalo está em Perdizes, onde a oferta de vagas só corresponde a 37% da necessidade. O coordenador de tecnologia da informação Daniel Fernandes precisa apelar à criatividade para encontrar uma perto do Viaduto Antártica. Ou chega uma hora mais cedo, ou aluga um espaço pelo recém-lançado site Parkingaki (www.parkingaki.com.br), em que pessoas anunciam suas garagens particulares. Não é um problema exclusivo dali. Dez dos quinze distritos pesquisados não têm lugares suficientes. Quem consegue um quase sempre tem de abrir a carteira: 78% estão em estacionamentos privados e 4% na Zona Azul. Apenas 18% ficam na rua e são gratuitos.

Os motoristas que param o carro de segunda a sexta em um estabelecimento particular gastam cerca de 500 reais por mês, caso não sejam mensalistas. O preço médio da primeira hora é 9 reais, mas pode dobrar dependendo da região. É o caso do BandeiraPark, na Avenida Faria Lima, no Jardim Paulistano, que cobra 20 reais. Considerando seu tamanho e a rotatividade, o faturamento mensal estimado é de 135 000 reais. Outro bairro com preços salgados é o Itaim. “Por tratar-se de uma área de forte valorização imobiliária, o custo da locação é mais alto”, diz Marcelo Gait, presidente do Sindicato das Empresas de Garagens e Estacionamentos do Estado de São Paulo (Sindepark). Recorrer a um flanelinha significa desembolsar uma média de 4 reais por algo que deveria ser gratuito. Eles cobram até pela Zona Azul. O preço oficial é 3 reais, mas a folhinha sai por mais que o triplo em Pinheiros.

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Para driblar esse festival de encrencas e gastos, o paulistano precisou se adaptar e recorrer a estratégias, por vezes, mirabolantes. Os mais rápidos e bem-dispostos madrugam. Às 7h15, ruas adjacentes à Berrini, como a Lee de Forest, estão repletas de motoristas dormindo, tomando café e retocando a maquiagem dentro do carro, enquanto esperam o início do expediente. “Dá muito sono, mas vale a pena”, diz a auxiliar administrativa Eliane Vieira, que chega às 7 horas para trabalhar às 8h30. É a mesma tática adotada por pais, avós e motoristas de alunos do Colégio Dante Alighieri, nos Jardins, que já estão no local mais de uma hora antes do fim das aulas. Alguns permanecem no veículo, outros formam rodinhas na calçada para conversar sobre a fila dupla e discutir maneiras de escapar dos fiscais da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). A cada dia, o órgão guincha quinze carros e multa 2 757 por estacionamento proibido na cidade. Para conseguirem um lugar sem infringir nenhuma lei de trânsito, alguns têm usado a tecnologia. O aplicativo para smartphone Onde Parar mostra vagas e preços por toda a cidade. Em Perdizes, motoristas deixam a chave com os flanelinhas, que manobram os veículos ao longo do dia.

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Soluções individuais ajudam no dia a dia, mas, sem uma mudança estrutural, a situação se tornará mais caótica. Mantido o atual ritmo de crescimento da frota de veículos, o déficit de vagas na região pesquisada vai saltar para 236 000 na próxima década, um aumento de 90%. Para agravar o drama, o número de locais para estacionar diminuirá devido à construção de novos prédios. “Em regiões de maior verticalização e concentração urbana, como a Avenida Brigadeiro Faria Lima, a tendência é que a oferta decresça”, diz o presidente do Sindepark. Incentivar o transporte público é um consenso óbvio entre especialistas. Não é, no entanto, uma solução nem imediata, pois depende de dinheiro e obras, nem definitiva, porque sempre haverá gente circulando de automóvel. “O ideal seria construir mais estacionamentos próximos a terminais de ônibus e estações de metrô”, afirma o consultor de trânsito Erico Zamboni.

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Outra saída é erguer, a cada três quarteirões, edifícios-garagem custeados por meio de parcerias público-privadas. Com isso, vagas de rua poderiam se converter em calçadas mais largas ou até ciclovias. “É bom para todos, o pedestre ganha mais espaço e o motorista passa a ter mais fluidez e uma oferta previsível de vaga próxima a seu destino”, diz Philip Yang, presidente do Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole (Urbem). Em cidades da Europa e dos Estados Unidos, construções como essas são relativamente comuns. Uma dificuldade, porém, é a necessidade de desapropriar terrenos. “Onde há poucas áreas disponíveis, a melhor opção é o estacionamento subterrâneo municipal”, afirma Zamboni. Atualmente, há dois desse tipo na capital, no Hospital das Clínicas e no Parque Trianon. A prefeitura planeja mais três, próximo ao Mercado Municipal, à Praça Roosevelt e à Praça Fernando Costa, na região da Rua 25 de Março. No entanto, a licitação está suspensa pelo Tribunal de Contas do Município, por dúvidas em aspectos técnicos das obras.

Enquanto isso, empresas e condomínios adotam alternativas para contornar a escassez de garagens. Na Avenida Antártica, na Barra Funda, a construtora WTorre está erguendo um prédio com 2 000 vagas para atender os frequentadores do futuro estádio do Palmeiras, além de negociar espaços nos shoppings vizinhos, Bourbon e West Plaza. No mercado imobiliário, a nova tendência em edifícios residenciais é incentivar outros meios de transporte. “Atualmente nossa política é disponibilizar o menor número possível de áreas para carros”, afirma José de Albuquerque, diretor de incorporação da construtora Brookfield. A empresa tem concentrado suas obras perto de terminais de ônibus, como no centro, e reserva mais espaço para motos e bicicletas.

Desde o ano passado, a Abyara lançou dezesseis empreendimentos com compartilhamento de automóveis — nesse sistema, os veículos pertencem ao condomínio e são oferecidos aos moradores por uma espécie de aluguel. Para quem quer manter seu veículo, ou até mais de um, a opção cada vez mais comum é uma máquina chamada “duplicador de vaga”, um tipo de beliche mecânico (veja a galeria de imagens acima).

Outras soluções podem vir do exterior. Comparada a cinco metrópoles — Berlim, Londres, Madri, Nova York e Paris —, São Paulo tem o custo mais baixo, mas o segundo maior déficit de locais para estacionar. Só perde para a capital espanhola. Nessas cidades há transporte público eficiente, garagens subterrâneas e um sistema equivalente ao da Zona Azul: parquímetros com preços diferenciados de acordo com o fluxo da rua e pagamento via celular. A tecnologia é usada em mais de dez municípios do Brasil, chegou a ser testada por aqui, mas nunca foi implantada de forma definitiva. Por enquanto, continuaremos rodando a esmo em busca do precioso retângulo de 4 metros de comprimento por 2 de largura.

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