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Silêncios

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Por Redação VEJA São Paulo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
28 abr 2017, 21h19

Por Ivan Angelo (ivan@abril.com.br)

Não te preocupes se não te escrevo todo dia, um WhatsApp que seja, um e-mail, uma carta. Não quer dizer que não te amo, quer dizer apenas que não te escrevo todo dia, que sou um descuidado, um distraído, um preguiçoso, um teimoso. Sei, sei, é indesculpável hoje em dia não escrever, bastam quatro linhas e tchan, a pessoa está tuitada, amada, rodeada de coraçõezinhos pulsantes e emojis com boquinhas estalando beijos. É que não consigo, não está em mim ocupar-me de coisas desse tipo, emoções que cabem em figurinhas de smartphone. Sei, um homem não deveria achar bobagem as coisas que divertem a sua querida, pois se ela chegou à condição de querida deveria ter direito às bobagens incluídas no pacote, como as tais figurinhas. Mas…

Também não te preocupes se não telefono, e não é verdade que eu nuuunca telefono, como dizes; não telefono é com a intermitência, não gosto dessa palavra, é com a intermitência, vai essa mesmo, que esperas, como se não estar ligando fosse a mesma coisa que não estar ligado. Imagine apenas que o fixo está quebrado, a bateria do celular descarregou, falta sinal, esqueci o celular no carro, a operadora é um ó.

Não, não reclames por eu não te chamar de amor a todo momento. Amor não é isso que as pessoas falam, levianas. Vejo a ligeireza com que falam amor e me pergunto se a palavra não anda meio desbotada, camiseta velha. Usada por hábito. Pessoas que, se sabe, se percebe, apenas vivem uma com a outra se chamam de amor, vendedoras de lojas te chamam de meu amor, a mulher do cachorroquen te te chama de meu amor, a fulaninha do telemarketing tenta te convencer apelando para o “meu amor”, conhecidos só de redes sociais se aliciam dedilhando “meu amor” em cada frase estropiada, pessoas na televisão conversam intercalando “meu amor” entre duas ironias, ou entre duas bichices.

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É quase a mesma coisa mas não é a mesma coisa essa mania de “te amo”. Não fiques chateada, nem te sintas diminuída perante tuas amigas por eu não te dizer “te amo” depois de qualquer até logo de esquina, pois isso acabaria, acaba, desgastando a carga de compromisso e, digo mais, de responsabilidade que a expressão carrega, e fica uma coisa corriqueira, vira um tchau, e amor não é hábito, é trabalheira diária que não se acomoda em palavras, é mais atitude do que palavras, mais cuidar e velar do que “te amo”. Amor é uma dificuldade, ao mesmo tempo doação e privação, generosidade e cobrança, seda e aspereza, tropeços no ir e vir, tudo por escolha.

Não digas que já não rio como ria, porque não te amo como amava, por não me fazeres feliz. Não, não te ponhas onde não estás. O riso não tem a ver com o amor, mas com as circunstâncias, com o país que se tem, o trabalho que se tem, a desilusão e a falta de perspectivas, o dinheiro que se ganha, os bons-dias e as boas-noites que nos dão, a harmonia dos eventos, a piada que se ouve e até, não principalmente, com os beijos que se beijam, mas põe o amor fora disso. O poeta Luís de Camões já o chamava de “um contentamento descontente”, “um solitário andar por entre a gente”, um “não contentar- se de contente”, “um cuidar que se ganha em se perder”, e, pois, não basta ter um amor para andar por aí dando risada.

Não é de todo mal que eu me distraia às vezes ou mais do que às vezes, que viva em outro mundo, como dizes. Mal seria se nesse mundo não estivesses, braços abertos para mim.

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