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Saudade do futuro

Leia a crônica da semana

Por Redação VEJA São Paulo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 10 fev 2017, 19h23 - Publicado em 10 fev 2017, 19h20

Por Mário Viana

Nunca fui vanguarda. Adoraria ter no currículo ao menos uma manifestação de chama visionária ao ouvir um disco ou ler um livro e profetizar: “Isto vai mudar a história”. Nunca aconteceu, pelo menos que eu me lembre. Justiça seja feita, não tive tantas oportunidades assim de bancar o vidente. Quando comecei a entender a música que escutava, Chico já era Buarque, Caetano e Gil tinham desfeito as malas na volta do exílio e Elis já era uma cantora perfeita.

Não enfrentei as grandes lutas contra a ditadura, a não ser uma passeata aqui, uma bombinha de gás lacrimogêneo ali. De radical mesmo, só encapar livros proibidos com papel pardo para ler no ônibus, a caminho da escola ou do trabalho. Minha safra não pegou grandes movimentos em seu início, a não ser a fundação de dois ou três partidos políticos, mas o rumo que cada um tomou ao longo dos anos dá pano para muitas mangas. Prefiro ficar no terreno das artes, em que minha vanguardice meia-boca naufragou mais que qualquer agremiação partidária.

Dá uma tristeza íntima reconhecer que você seria aquele sujeito que torceria o nariz ao assistir aos primeiros vídeos dos Rolling Stones com Mick Jagger: “Mandem esse beiçudo parar de rebolar”. Ou proclamaria, cheio de certezas, diante do primeiro sucesso de Madonna: “Cantora branquela com nome de santa não vinga, escreva o que eu estou dizendo”. Você pode até fazer constar do seu currículo que já passou por oito moedas diferentes no Brasil e sobreviveu a seis papas, incluindo o argentino boa-praça. Pode se orgulhar de ter torcido para a seleção de 70, mas continuará sendo aquele que não viu o primeiro gol do Pelé. Fatos históricos não se repetem como um metrô que se perde na plataforma. Perdeu, babau.

No fundo, desconfio de quem diz ter farejado o sucesso naquela iniciante de pernas bambas e voz insegura. É mais fácil cantar de galo depois de o sol ter nascido. Sabe aquela entrevista em que o cantor diz ter ouvido o primeiro disco do João Gilberto e aquilo ter mudado completamente a vida da criatura, como num passe de mágica? Ninguém me tira da cabeça que isso é mais lenda que fato.

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Aceitar a novidade já na primeira audição é, para mim, um desafio, tão vago quanto ganhar de presente uma maleta recheada com 800 000 dólares livres de impostos — se bem que tem aparecido gente jurando que isso acontece mesmo. É bom lembrar que existe a turma dos fanáticos por novidades, desde uma cantora fanha que grava chorinho em aramaico até uma churrascaria exclusiva para vegetarianos, com cardápio assinado pela segunda-assistente da Bela Gil. Não formo nessa fileira, mas também não me tranco no armário das velharias.

É bom tomar cuidado e não gastar vela com alma ultrapassada. Tem muita gente nova que dá gosto ler, ouvir e ver, sem ficar fazendo comparações nem apostas. Mesmo sem ser vanguarda, minha geração pegou todo um povo de primeiríssima qualidade no auge. E só isso já basta para que nos sintamos contemporâneos de figuras especiais. O mais incrível é que quase todos continuam na ativa. Alguns até rebolam mais que antes — não é, Mick?

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