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Mulheres

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Por Redação VEJA São Paulo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
3 mar 2017, 19h04

Por Ivan Angelo

Lembram-se de quando se dava pancada nos bifes, para amaciá-los? Lembram-se de quando, no tanque, se davam lambadas nas roupas, para tirar a sujeira? Lembram-se de quando se davam surras nas crianças, para corrigi-las? Isso acabou, praticamente. Com o confinamento do gado, com os avanços da química, com os ensinamentos da pedagogia, isso foi acabando. Lembram-se de quando era normal os homens baterem nas mulheres? A ponto de um compositor como Noel Rosa cravar grande sucesso com o samba que dizia: “O maior castigo que eu te dou / é não te bater / pois sei que gostas de apanhar”; a ponto de um filósofo como Nietzsche dizer, em Assim Falou Zaratustra, cinquenta anos antes de Noel: “Vais ter com mulheres? Não esqueças o chicote!”; a ponto de um escritor importante como Nelson Rodrigues proclamar, quarenta anos depois de Noel: “Nem toda mulher gosta de apanhar, só as normais”. Pois é: esse tipo de comportamento não acabou. Apesar da lei, dos processos, da cadeia, das indenizações, do vexame público.

Rapazes e moças da minha geração foram formados com outra visão, a de quem ouviu Simone de Beauvoir ensinar que não basta nascer mulher, é preciso se fazer mulher, tornar-se mulher; na mente, no corpo, no caráter, no desejo, na liberdade, no trabalho, na postura perante o homem; libertar-se do modelo de mulher desenhado por ele, para ele. Esses anseios se transformaram em onda no começo dos anos 60, e ela pegou toda uma faixa de jovens que buscavam e propunham novos relacionamentos na sociedade. A visão bolsonariana que se aproveitou do regime militar para se fortalecer refreou a onda, mas não pôde pará-la.

Mesmo os jovens que liam e estudavam, e portanto tinham a oportunidade de aprender outros comportamentos que não os dominantes, estavam expostos às gracinhas preconceituosas sobre as mulheres. Até em Cervantes: “Há de se fazer com as mulheres honestas o que se faz com as relíquias: adorá-las e não tocar nelas”. Quer dizer: mulher tem “aquela” serventia; fora disso, distância. Vem de mais longe essa atitude. Na Antiguidade, o dramaturgo grego Eurípides botava na boca de Hipólito “provas” de que a mulher era um flagelo: “O pai que a gera e cria oferece um dote a quem a leve, a quem o livre de tamanha praga”. O mesmo Eurípides põe na boca de Jasão, em Medeia: “Se fosse possível ter filhos de outro modo / não mais seriam necessárias as mulheres / e os homens estariam livres dessa praga”. Séculos adiante, com palavras mais graciosas, o preconceito se expressava nas ironias de salão e de duplo sentido, tipo “As mulheres só têm de bom o que elas têm de melhor”, de Chamfort, ou “As mulheres são impressionantes: ou não pensam em nada, ou pensam em outra coisa”, de Alexandre Dumas, pai. Os homens, que sempre usufruíram as liberdades que se deram enquanto tolhiam as das mulheres, inventaram em seu mundo de ficções que elas, por ser contidas, se tornaram frustradas, como aquelas da frase de não sei quem: as mulheres honestas se arrependem dos pecados que não cometeram.

Agressões às mulheres, físicas ou com palavras, vão-se tornando aberrações, graças à resistência. Felizmente há os delicados, os que sempre viram na diferença dos sexos uma oportunidade de gentileza. No Talmude, um dos livros básicos da religião judaica, se lê: “Se tua mulher é baixinha, abaixa-te e cochicha-lhe ao ouvido”. Há os que sabem ver o agradável nos modos delas: “O homem tem a sua vontade, mas a mulher tem o seu jeito”, diz Oliver Wendell Holmes. Há os exagerados, como Dante Milano, mas é poesia: “Tirando a mulher, o resto é paisagem”.

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