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A vaquinha contemporânea

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 17h14 - Publicado em 21 abr 2012, 00h50

“Entre à direita na próxima rua. É bem íngreme. Desça ela todinha. Quando chegar lá embaixo, vire à direita de novo. Vá embora. Você vai encontrar uma avenida grande e movimentada, chamada Heitor Penteado. Atravesse-a. Aí, é melhor parar e perguntar de novo. Se não, você não vai conseguir se lembrar de tudo. É uma ruazinha meio perdida.”

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Quem deu essas instruções ao casal no Fiat vermelho e coberto de pó de estrada de terra foi minha mulher, Luli. Subíamos, a pé, pela Amália de Noronha, próximo a Pinheiros, logo cedo na quinta-feira. Ela estava a caminho da aula de ioga; eu, da Estação Sumaré do metrô.

Também costumo ser generoso com as indicações de caminhos. Sobretudo ali no bairro. Na Vila Madalena, sou capaz de listar o nome de todas as ruas. Fico orgulhoso ao oferecer instruções precisas com meu sotaque de gringo (soa como a fala de Tatuí). As pessoas percebem que não sou daqui e me olham com um misto de desconfiança e curiosidade pela quantidade de conhecimento geográfico do bairro.

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Não pude deixar de notar a placa do Fiat. Era de uma cidade do interior. Ouvi do duende anglo-saxão, que se equilibra no meu ombro direito e assopra no ouvido, se não seria o caso de o casal, ao partir para endereços obscuros no coração da metrópole, trazer um mapa, ou — quem sabe? — até um GPS.

Mas esqueci o assunto ao começar a ler um artigo do antropólogo Roberto DaMatta, depois de me acomodar no trem do metrô. O texto fora encomendado para um livro que estou ajudando a editar chamado “Herança Compartilhada”. O tema do livro são as semelhanças e diferenças culturais entre o Brasil e os Estados Unidos. Fascinam as interpretações do antropólogo. DaMatta elucida questões que me perseguem há décadas.

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Sempre achei, por exemplo, que o Brasil é uma espécie de inversão dos Estados Unidos, ou vice-versa, tal como acontece no mundo bizarro dos gibis do Super Homem. Explica DaMatta, escrevendo sobre os dois países: “Há um elo característico, revelador de vivências histórico-sociais curiosamente invertidas e opostas como se dois autores estivessem escrevendo um mesmo texto ou pensando num mesmo conjunto de assuntos — amor, subjetividade, propriedade, família, solidão, nascimento, morte, festas, dinheiro, partidos políticos, sobrenatural, religiosidade, leis etc… —, mas sempre ao contrário. O que o Donald escreve o Zé transforma no seu inverso”.

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Na Estação Consolação, quase perco minha conexão ao encontrar, no texto, a seguinte observação a respeito do meu país de origem: “…não se pede informação na rua quando há mapas e GPS disponíveis naqueles Estados Unidos onde as coordenadas espaciais não são dadas em sinais particulares — dobre depois de uma casa verde… —, mas em números e pontos cardeais (siga três milhas pelo norte até encontrar a rua 23…)”.

Acabara de passar por aquilo, afinal! As instruções do caminho fornecidas por minha mulher, Luli, ao casal do Fiat vermelho eram pessoais, enquanto eu pensara em mapeamentos e GPS.

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Na versão do DaMatta, o costume brasileiro parece tão mais humano e caloroso. Dei de pensar. Esse tipo de conhecimento social e a troca de informações pessoais são o que se negocia nas redes da internet hoje. É por isso que Facebook, Orkut e celulares são tão populares no Brasil, vai ver. Ampliam a velha e boa troca de conversa, cultivada e desenvolvida em nosso país desde sempre. O conhecimento coletivo é cultuado. Isso é uma característica contemporânea do país. Aqui já se fazia crowdsourcing, por exemplo, antes mesmo de a internet existir. Chama-se vaquinha.

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e-mail: matthew@abril.com.br

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