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Turpilóquios

Confira a crônica da semana

Por Mário Viana
Atualizado em 10 jul 2017, 20h31 - Publicado em 30 jun 2017, 18h36

O palavrão está na moda. Pessoas de todas as idades, sexos e classes sociais esquecem o freio na língua e soltam qualquer grosseria onde quer que estejam, sem olhar em volta. Nas ruas, bares e ônibus, rola um verdadeiro festival de descrições anatômicas — palavrões quase sempre se referem a algum órgão ou função fisiológica do corpo humano. Ninguém mais parece se ofender. Liberou geral.

Eu me lembro até hoje do espanto emocionado ao ouvir a Marisilda soltar um termo bem atrevido numa reunião do nosso grupo de teatro engajado. Na segunda metade dos anos 70, mulheres não costumavam dizer palavrões nem fumar em público. A não ser que elas se chamassem Dercy Gonçalves, Bette Davis…

As palavras de baixo calão não frequentavam bocas femininas. Pelo menos, era o que os meninos achavam, até que alguém trouxesse a edição do Pasquim com a entrevista da atriz Leila Diniz — um índice histórico de asteriscos substituía termos impublicáveis. As mocinhas de hoje nem imaginam que devem seu despudor vocal a uma atriz morta em 1972.

A libertação feminina também ajudou os meninos a se soltar. Rapazes só falavam obscenidades entre si e, geralmente, baixavam a voz quando iam mandar a bomba. Na frente da mãe ou da namorada, nem pensar. Impropérios em voz alta só no estádio de futebol — até porque mulheres nem sonhavam em invadir a arquibancada.

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O palavrão perdeu o potencial agressivo. Não ficou manso, pois ainda arranha os ouvidos, mas dificilmente provoca taquicardia. Alguns até são usados tranquilamente na novela das 6, incorporados ao dia a dia. Há mesmo quem se orgulhe de xingar autoridade em estádio, em transmissão via satélite.

Mas é preciso atentar para um detalhe. A aceitação do insulto só vale quando ele é falado. Por escrito, palavrão ainda é uma navalha afiada. Basta seguir qualquer discussão nas redes sociais — e o que não falta é barraco via internet. Por qualquer discordância mínima, abre-se um desfile de ofensas literalmente cabeludas.

Ao mesmo tempo que rachou as convenções sociais, o uso descontrolado de insultos cobriu de mofo as piadas de salão, anedotas inocentes que eram contadas em festas de família e encontros mais formais. Onde havia um tio do pavê, existia também um contador de piadas de salão.

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Do passado, os palavrões de hoje carregam o tom imperativo. Lembre-se de qualquer impropério: é “vá isso, vá aquilo” e outras frases dominadoras. Xingar não é pedir por favor, é dar ordens.

O jeito é acostumar-se aos novos hábitos e, quem sabe, até ensinar um palavrão ou outro aos mais jovens. Nunca é tarde para um intercâmbio de gerações. Se estiver enferrujado, consulte letras de funkeiros pré-adolescentes. A molecada que impera nas redes sociais vem embrulhada em correntes de ouro, bonés de grife e um vocabulário de envergonhar humorista de stand-up.

A nova etiqueta abriu espaço para o que o Dicionário Houaiss de Sinônimos e Antônimos chama de turpilóquio e nós, os comuns, chamamos só de palavrão mesmo. Convenhamos, chamar qualquer coisa de turpilóquio é pior que xingar a própria mãe sem motivo.

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