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Cinco homens de camisola

Leia a crônica da semana

Por Mário Viana
2 jun 2017, 19h15

A leitora que percorre estas linhas precisa exercitar a imaginação. Coloque no cenário cinco marmanjos sentados numa sala pequena e sem janela, vestindo constrangedoras e curtinhas camisolas de hospital. Sob a roupa feinha, apenas o corpo que Deus lhes deu, o que obriga a complicados posicionamentos de pernas. Mulheres de minissaia num pufe hippie se sentem mais confortáveis.

Os primeiros momentos são de puro embaraço, algo do tipo “não sou eu quem está aqui, mas meu irmão gêmeo”. O ambiente também não é dos mais inspiradores. Os cinco homens estão naquela sala de espera de um hospital bacana da cidade para fazer exame de colonoscopia.

Procedimento médico dos mais comuns, a colonoscopia só não está no topo do ranking de pesadelos masculinos porque ainda existe o exame de toque da próstata e todo seu estoque de piadas infames. Com a colono — vamos ser íntimos, afinal de contas — ninguém brinca.

Os cinco sujeitos, que não se conhecem, sabem bem por que estão ali. Nas trocas de olhares rola uma compreensão que dispensa palavras. Tanto que alguns até arriscam um “por que você está aqui?”, mas que não tem força para sustentar um diálogo. A resposta é óbvia: “Porque meu médico me obrigou”.

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Homens são figuras complicadas. Enquanto mulheres estabelecem intimidades de infância em qualquer ambiente — da reunião de negócios à fila do supermercado — , homens tendem a falar o mínimo necessário para não passarem por mudos. Arrancar algo sobre o que sentem ou pensam é um tormento. Perguntem a qualquer autor de ficção: personagens masculinos são sempre um desafio.

Colocados num ambiente intimidador, a coisa piora. Vão falar o quê? De mulher? Não tem clima. De futebol, com esses times que estão aí? De modelo de carro? Tudo isso não passa de chavão, e dos mais batidos. Homens conseguem falar de outras coisas. Política, por exemplo. Mas a situação anda complicada demais para arriscar assunto tão apimentado. A qualquer gesto mais expansivo, partes íntimas podem se espalhar sem qualquer ideologia que as diferencie.

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Melhor pensar em temas que unam os distantes descendentes dos caçadores pré-históricos. Eram dois cinquentões, dois balzaquianos (um deles meio acabadinho) e um senhor mais velho, de traços orientais, bastante sorridente e que de vez em quando soltava uma frase adequada ao momento. Quem achou a chave do cofre foi justamente o acabadinho: precisava fazer mais exercícios.

O mais novo do grupo, um magrinho que se orgulhava de ter sido um adolescente rechonchudo, aproveitou a deixa e ficou um largo tempo defendendo a corrida urbana como salvação da lavoura. Logo, até o velhinho oriental estava envolvido na conversa, que evoluiu da corrida para o crossfit, a pelada com os amigos e o tai chi chuan.

O papo se estende, até que os enfermeiros convocam cada um dos pacientes para realizar o exame. Livres da obrigação social de esticar qualquer assunto com estranhos, os homens quase aplaudem ao escutar seu nome. Erguem-se rápidos, ajeitam a camisola para nada revelar e saem com o ar de quem vai desbravar a última fronteira do universo.

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