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Essa é boa

Contadores de piadas não são novidade. Tampouco estão só nos palcos

Por Ivan Angelo
Atualizado em 27 dez 2016, 17h29 - Publicado em 3 jun 2016, 14h55

As pessoas não contam mais piadas. Uma amiga volta de uma temporada na praia e diz com perplexidade que não ouviu uma única piada, uma escassa anedota, daquelas que eram precedidas pela pergunta do piadista para a turma: “Sabe da última?”. E lá vinha a pilhéria, a história picante, a peruada. Havia sempre uma peruada nova, sem que se soubesse onde era o ninho. Pois é, a última não circula mais. As piadas brasileiras eram memorizadas e lembradas pelo perfil folclórico das personagens centrais.

Havia as do Bocage, “sujas”. Essas só se contavam nos botequins, nas esquinas, nas barbearias, nos bordéis, não onde houvesse ao alcance das más palavras os delicados ouvidos femininos. Para estes havia as “piadas de salão”, porque nos salões os bons modos eram obrigatórios. Aí não se permitia a entrada do nosso Bocage, apesar de Manuel Maria Barbosa du Bocage ter sido poeta português dos melhores do século XVIII, pois era notório libertino. Sabe da última do Bocage?

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Corriam de ouvido em ouvido as últimas dele, do papagaio, do mineirinho, do Zezinho, do gago, do bêbado, do capiau, ou caipira, do português, do japonês e, em menor número, as de personagens de nacionalidades menos presentes na vida brasileira, como o francês (eram sempre histórias “de sacanagem”), o espanhol (sempre briguento), o alemão (sempre quadrado, formal). Anedotas, naquele tempo, e falo aqui dos anos de 1940 ao fim dos 60, eram expressão de uma sociedade mais tosca, mais ingênua, mais oral, mais fácil de satisfazer, que se contentava com dramas circenses para se emocionar e palhaçadas também circenses para dar risada, aquilo que o mesmo tipo de público encontra hoje na televisão, tanto nas telenovelas quanto nas zorras. Havia poucas exceções de sutileza nesse mundo oral e explícito.

Os contadores de piadas tornavam-se figuras populares. Animavam festas, barracas de praia, velórios (sim, velórios!), mesas de botequim, repartições públicas (onde mais haveria tempo para piadas durante o trabalho?) e rodas de esquina. Cada um tinha estilo próprio, mas todos eles, invariavelmente, davam risadas mais ruidosas do que as dos ouvintes ao fim de uma anedota. Piadistas havia que batiam na perna e davam uma voltinha às gargalhadas, que se curvavam para a frente, que jogavam a cabeça para trás, que cutucavam barrigas. Sempre com um “sabe da última?” para começar, um “escuta essa” para continuar e um “essa é boa” para emendar.

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Pois se acabou a época em que faziam sucesso os piadistas de esquina. Ou será que — são novos tempos! — eles descobriram que seu talento poderia dar dinheiro e se tornaram profissionais, sobem aos palcos em vez de animar rodinhas nos botecos, praticam o que hoje se chama de stand-up comedy, espetáculo em que um piadista, pouco mais do que um piadista de antigamente, sozinho no palco, de pé, emenda uma piada na outra e entretém o público por uma hora ou mais.

São novos tempos, sim!, e não nos palcos. Porque nos shows a piada ainda tem muito a ver com a modalidade antiga: a oralidade, a presença do contador, a rodinha ampliada em plateia. Onde renasce e se refaz a autêntica piada brasileira, maliciosa, rápida, atualizada, criativa, anônima, politicamente incorreta, sexualmente explícita, iconoclasta e popular é na internet. Ela agora é audiovisual, mais curta, e circula a uma velocidade incrível pelos smartphones através do WhatsApp; em minutos vai do norte ao sul do país sem que se saiba nunca quem foi o gênio que a inventou.

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