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Conversa amorosa

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Do que eu gosto em você é desse seu jeito de me fazer gostar de você.

É dessa habilidade entre confiada e leve de se meter em meus pensamentos nas horas mais impróprias, a hora de escrever, de meditar, de ouvir instruções necessárias, de dormir. Não adianta dizer: dá um tempo, isto aqui é urgente; vá, que chamo você quando puder; vá, please – não adianta porque você não vai…

Do que eu gosto em você é desse jeito de passar de corça para leoa diante de qualquer ameaça, sejam olhares femininos que não procurei, sejam perigos nas esquinas; ou, vice-versa, gosto desse jeito de passar de leoa para corça ao menor sinal de carinho, ou ao ser desfeito o mal-entendido, ou quando você ouve um pedido de desculpas, mesmo daquelas meio em farrapos.

Gosto, gosto muito desse pezinho 35 que aceita 34 ou 36 para não decepcionar o presenteador.

Do que eu gosto em você é desse apressar-se a socorrer, seja cisco no olho, criança na beira da calçada, tosse engasgada, degrau que falta ou conta-gotas do soro na veia que pára de pingar – gosto dessa pequena segurança no meio do tiroteio, a sensação de que alguém se importa.

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Do que eu gosto nesse seu olhar, embora me incomode às vezes, é desse não fugir, não escapar para os lados.

Gosto do seu jeito de não ler manual de instruções de aparelhos. É função de maridos, diz você, das poucas funções que restam para os maridos. Não ler manual de instruções passou a ser atributo feminino, e então entramos no terreno do estilo, do jeito pessoal de não ler manual de instruções, e o seu jeito de não ler manual é engraçado, e se as máquinas e aparelhos não obedecem às suas intuições, azar delas, azar do serviço de atendimento ao cliente, azar da indústria.

Do que eu gosto menos em você, mas ainda assim gosto, porque é seu jeito, traz sua marca, é dessa constância no presentear, que tem raízes profundas, você sabe, razões psicológicas, intenções subconscientes de comprar a pessoa, de conquistar com artifícios, de subornar, de corromper, de compensar suposta falta de merecimento, ou pode ser que esse presentear tenha a intenção de agradecer ao privilégio do amor num mundo difícil – quando não precisava, não precisa –, e vêm então os presentinhos mais inesperados, fora dos dias esperados (aniversário, Natal, Dia dos Namorados), vêm em dias de que só você se lembra, do primeiro beijo, do pedido de namoro, da primeira declaração, e vêm mesmo em dias que não têm nada que ver, Dia das Crianças, réveillon, Dia dos Pais, fim de mês, começo das férias, fim das férias…

Gosto desse seu jeito de se enredar em qualquer história, basta dizer para você “sabe Fulana?” e você já se liga, música-tema de novela paralisa você, qualquer “te contei não?” acende seus olhos.

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Não compreendo, mas gosto, dessa sua capacidade de acreditar nas coisas mais improváveis, como chás, macumba, mau-olhado, curas milagrosas, capeta, e não aceitar ou desconfiar das coisas mais concretas, como erro de digitação, horário marcado, validade vencida, estacionamento proibido…

Do que eu gosto em você é desse reaprumar-se depois da queda, desse foi nada não.

É desse cuidado – existiria outra palavra? Sim: dedicação – dessa dedicação aos velhinhos, atenta ao frio dos velhinhos, aos olhos e aos ossos dos velhinhos, à vitamina, às necessárias caminhadas, à leitura, aos afazeres dos velhinhos.

Do que eu gosto é desses seus olhos, e de imaginar quais formas e cores você vê através deles, da mesma maneira que imagino como um gato vê com as pupilas verticais dele, ou como um peixe vê com um olho de cada lado, e fico pensando se o mundo que você vê se colore com a cor dos seus olhos.

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