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Decadência atinge tradicional comércio de veículos no centro

Famosa nos anos 80, "boca de automóveis" enfrenta sumiço de lojas e clientes

Por Felipe Schmieder
Atualizado em 1 jun 2017, 17h21 - Publicado em 16 Maio 2014, 15h00

Sede do governo do Estado de São Paulo entre 1921 e 1965, o bairro dos Campos Elíseos abrigou o primeiro loteamento planejado da capital. Ocupadas pela nata da sociedade na época, as ruas em torno da Praça Princesa Isabel, entre elas a Alameda Barão de Limeira, a Avenida Duque de Caxias e a Rua Helvétia, acolheram as primeiras lojas de veículos importados da cidade, ainda nos anos 50.

Os pontos ofereciam reluzentes modelos, como Cadillac DeVille e Chevrolet Bel-Air. Era o início de quatro décadas de grande sucesso, que atingiu o seu pico nos anos 80, quando cerca de 300 revendedoras eram responsáveis por atrair clientes de todo o país e tornavam as ruas verdadeiros feirões a céu aberto. Graças a esse movimento, o pedaço ficou conhecido como a “boca dos automóveis”. Um dos seus símbolos eram os agressivos vendedores, os “castanholas”. Para chamar a atenção dos clientes, alguns tinham um equipamento na mão que imitava o som das castanholas, daí o apelido. Outros apenas estalavam os dedos, imitando o som do instrumento.

O local oferecia, além das marcas estrangeiras, modelos nacionais como Brasília, Kombi e Fiat 147 (muitos deles, é verdade, bastante baleados). “Até 1990, comercializávamos cerca de 250 unidades por mês, principalmente no atacado”, lembra João Hagop Chamlian, dono da Miami, revendedora que ocupa um ponto de 1 200 metros quadrados na Rua Helvétia há cinquenta anos. Atualmente, a média de negócios não passa de setenta carros a cada trinta dias. “Éramos responsáveis por abastecer revendedores do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais”, completa Chamlian.

 

Hoje o cenário pouco lembra o da época de ouro. É comum andar pelas ruas do bairro e notar vários portões de ferro abaixados, com pontos desocupados por comerciantes que desistiram do negócio ou se mudaram para outras regiões. No lugar das ofertas de veículos, surgiram por ali escritórios, farmácias, bancos, estacionamentos e principalmente lojas de acessórios de motos. Das 300 revendedoras dos anos 80, restam pouco mais de cinquenta. “Permaneceram os donos dos imóveis que conquistaram clientela própria. Locatários sem carteira consistente entregaram o negócio e se mudaram daqui”, afirma Jairo Priszculnik, que há quarenta anos toca a loja que leva seu nome. Endereços de menor porte, como a Auto Buono, dificilmente fecham mais de dez vendas por mês.

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Para George Assad Chahade, presidente da Associação dos Revendedores de Veículos Automotores no Estado de São Paulo, a razão para o esvaziamento da área está na economia. “Aos poucos, o comércio migrou do centro para a periferia”, afirma, citando exemplos como a Avenida Anhaia Mello, na Zona Leste, que concentra atualmente dezenas de estabelecimentos do gênero. “Ninguém mais precisa deixar seu bairro em busca de ofertas. Cada região da metrópole possui opções para quem procura seminovos, desde os populares até os de luxo”, completa Chahade.

Outro fator é a competição com as concessionárias de modelos zero-quilômetro. “A facilitação de acesso ao crédito e o aumento da produção derrubaram a venda de usados pela metade. Há oito anos, o mercado comercializava 1,1 milhão de seminovos por ano. Em 2013, esse número não chegou a 500 000”, calcula o especialista.

Pontos fechados - comércio de carros
Pontos fechados – comércio de carros ()

Resta aos sobreviventes, então, inovar no atendimento para manter as vendas na boca. João Hagop Chamlian, da Miami, conquistou uma carteira com 6 000 clientes e diz oferecer um atendimento personalizado. “Chego a vender carros por telefone. O cliente nem precisa comparecer à loja. Isso é resultado da confiança que conquistei. Entrego em qualquer lugar da cidade, no horário pelo qual o consumidor optar, com insulfilm e meio tanque”, diz o veterano, que ainda convida os parceiros mais importantes para almoços frequentes na própria cozinha de seu estabelecimento.

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Responsáveis por grande parte das transações, os asiáticos também têm tratamento diferencial. “Temos um vendedor bilíngue que atende os chineses e coreanos da 25 de Março”, conta Chamlian. Já Arthur Boyamian, da Eduardo Automóveis, que funciona por ali há quarenta anos, especializou-se nos últimos tempos em veículos antigos para colecionadores.“A internet oferece uma grande ajuda para os negócios. Em sites especializados, consigo anunciar e encontrar interessados em compra, venda e troca”, explica o comerciante, que herdou o negócio do tio, Eduardo, que morreu nos anos 90.

Eduardo Automóveis - comércio de carros
Eduardo Automóveis – comércio de carros ()

Ascensão e queda: a transformação da região nas últimas décadas

ANOS 80

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  • Número de lojas: 300
  • Veículos mais comuns: Brasília, Kombi e Fiat 147
  • Perfil dos compradores: atacadistas de todo o país

HOJE

  • Número de lojas: 50
  • Veículos mais comuns: Palio, Gol e Vectra
  • Perfil dos compradores: consumidores de varejo. Muitos deles vão ao local atraídos pelas ofertas publicadas em sites especializados
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