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Bombeiros: os profissionais mais admirados pelos paulistanos

São 2 749 homens treinados para fazer de tudo um pouco: combater incêndios, agir em deslizamentos de terra, atuar em enchentes...

Por Edison Veiga
Atualizado em 6 dez 2016, 09h04 - Publicado em 18 set 2009, 20h35

Eles estão sempre a cinco minutos do perigo. Os 2 749 bombeiros da cidade enfrentaram, no ano passado, mais de 70 000 casos – são quase 200 por dia. Cada desabamento de terra, incêndio, acidente de trânsito ou afogamento tem a sua dose de ineditismo e exige deles bom preparo físico, sentidos aguçados, raciocínio rápido e coragem. Muita coragem. Menos de duas semanas atrás, foram aplaudidos não só pelos parentes das vítimas da tragédia do metrô, mas por todos os paulistanos que viram as imagens de sua atuação. A própria corporação admite a peculiaridade do episódio, já que o reconhecimento popular veio mesmo em uma situação em que não houve sobreviventes e a dura tarefa dos bombeiros resumiu-se a encontrar os corpos soterrados pelo acidente. Manifestações de agradecimento são comuns, é verdade, mas somente quando há salvamento. Vêm por meio de um sorriso emocionado logo após a ocorrência, flores ou cartões enviados aos quartéis. “Não fazemos mais que a nossa obrigação, mas o carinho das pessoas nos estimula a trabalhar cada vez melhor”, diz o tenente José Camilo dos Passos, com uma das muitas placas metálicas que recebem como homenagem.

Há pouco mais de um ano, o Ibope e a revista Seleções fizeram uma pesquisa para saber em quais profissões o brasileiro mais confiava. No topo do ranking, com 93% de aprovação, apareciam os bombeiros. Já os policiais em geral – as pessoas normalmente não se lembram de que os bombeiros também são policiais militares – ficaram com um índice de apenas 24%. Apesar da aura que os cerca, os bombeiros não gostam de ser chamados de heróis. “Não somos personagens de histórias em quadrinhos”, afirma o soldado Renato Pereira Saoud, há seis anos na profissão. “O medo é constante e serve como parâmetro. Quem não tem medo não pode ser bombeiro”, diz o coronel João dos Santos Souza, comandante metropolitano da corporação.

Um dos caminhos para se tornar um deles é, a exemplo dos outros policiais militares, o concurso público. Uma vez aprovado, o recruta faz um curso de catorze meses no Centro de Ensino e Instrução do Corpo de Bombeiros, em Franco da Rocha. Para os oficiais, que já estudaram por quatro anos na Academia de Polícia do Barro Branco, o curso dura doze meses. Há ainda outros quinze treinamentos, como o de condução de viaturas em situações de emergência (cinco dias de duração) e o de resgate e emergências médicas (um mês). “No decorrer da carreira, o profissional sempre busca aprimorar suas técnicas, aprofundando-se em assuntos específicos”, explica o tenente Miguel Jodas, do Gabinete do Comando.

O passado da instituição remonta ao século XIX. Em 1851, o governo da então Província de São Paulo comprou duas bombas d’água para conter incêndios na capital. Só dez anos depois elas seriam utilizadas pela primeira vez, em uma livraria em chamas na Rua do Carmo, no centro. O trabalho foi regulamentado em 1880, com a criação da Seção de Bombeiros, formada por vinte homens. As primeiras seis viaturas automotivas, inglesas, começaram a operar em 1911. Atualmente, os bombeiros da cidade contam com 448 veículos, de 33 modelos diferentes. Para enfrentar as labaredas de um edifício, o bombeiro carrega cilindro de oxigênio, máscaras e mangueiras. O equipamento todo chega a pesar 25 quilos.

Também houve progresso na comunicação. No início, para comunicar um incêndio, os paulistanos precisavam recorrer ao boca-a-boca e ao repicar dos sinos de igrejas. Em 1955, o Corpo de Bombeiros passou a utilizar um sistema de rádio, agilizando o trabalho. A população usava dois números telefônicos para acioná-los e os quartéis se comunicavam entre si por radiotransmissores. O serviço 193 entrou em funcionamento em 1979, mas só foi informatizado há dez anos. Em termos de técnicas e capacitação, nossos bombeiros não devem nada aos europeus e aos americanos. O problema é o tamanho do efetivo. Em Nova York há catorze bombeiros para cada 10 000 cidadãos. Aqui, são menos de três. Subordinada à Polícia Militar, a corporação paulista tem um custo de cerca de 350 milhões de reais por ano em todo o estado. É um valor razoável para manter um serviço que salva vidas e patrimônio, mas os bombeiros, com uma rotina cheia de riscos, trabalham muito e não ganham tanto. A carga horária é de 24 horas de serviço seguidas de 48 de descanso. O piso salarial de um bombeiro soldado na capital é de 2 036 reais. Sem os adicionais e bonificações, um coronel, a mais alta patente, recebe 5 265 reais por mês. Habituados ao risco e ao perigo da morte, eles enchem os paulistanos de confiança e orgulho.

SARGENTO LUÍS HENRIQUE DOS SANTOS

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Bombeiro desde 1988

Ocorrência marcante: o resgate, no ano passado, de uma mulher presa nos destroços de um carro após acidente na Radial Leste

Um incêndio mudou a vida do então operador de áudio Luís Henrique dos Santos. Aos 18 anos, quando passeava pela região da Avenida Paulista, deparou com o prédio da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) em chamas. Naquele dia, 21 de maio de 1987, impressionado com a eficiente ação dos bombeiros, ele decidiu encarar uma nova profissão. No ano seguinte, entrou para a corporação e, desde então, resgatar pessoas faz parte da sua rotina. Atende a cerca de seis chamados por dia. Das 8 000 ligações diárias recebidas em média pelo 193, apenas 200 (ou 2,5%) relatam ocorrências de verdade, como a da sexagenária que ficou presa nos destroços de um automóvel após um acidente na Radial Leste. “Foi um dos salvamentos que mais me marcaram”, conta Santos, que para resgatá-la utilizou uma tesoura hidráulica como a que segura na foto. “Ela gemia de dor e agradecia ao mesmo tempo por eu estar ali. Foi emocionante.” Corintiano, leitor do escritor José Saramago e católico praticante, o sargento reza todas as noites para São José, o padroeiro dos trabalhadores e das famílias. E São Floriano, o protetor dos bombeiros? “A comunhão entre os santos é grande. Tenho certeza de que, se eu precisar, São José intercederá por mim.”

SOLDADO EDUARDO ROBERTO DE LIMA, TENENTE PEDRO CUNHA NETO E TENENTE LUCIANO SALGADO DE ALMEIDA

Bombeiros desde 1987, 1999 e 1999 (respectivamente)

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Ocorrência marcante: a tragédia da Estação Pinheiros, na Linha 4 do metrô, há duas semanas

Desde o dia 12, quando ocorreu o acidente nas obras da Linha 4 do metrô, 260 bombeiros já trabalharam no resgate das vítimas que foram engolidas pela cratera – para se ter uma idéia, os incêndios do Edifício Joelma, em 1974, e do Edifício Grande Avenida, em 1981, envolveram, respectivamente, 318 e 300 homens. “O tamanho da tragédia mexeu com a gente”, conta o soldado Eduardo Roberto de Lima. “A cena era assustadora.” No domingo (14), quando o microônibus foi localizado e ainda se tinha alguma esperança de que houvesse sobreviventes, o tenente Pedro Cunha Neto estava dentro do túnel. E então mais terra desabou. “Fiquei soterrado até os joelhos, tentei correr e não consegui”, relata. “Senti muito medo.” O tenente Luciano Salgado de Almeida, outro que atuou nos escombros, foi um dos bombeiros que acompanharam as cadelas farejadoras Anny e Dara. Ele é responsável pelo canil da corporação, que fica no quartel do Ipiranga e tem nove animais adestrados – Anny e Dara, aptas a localizar pessoas, e outras sete cadelas em fase de treinamento. O que mais o deixou impressionado foi o sofrimento dos familiares das vítimas. “Eu olhava para eles e só pensava em encontrar algum sobrevivente.”

SARGENTO FERNANDO PROCÓPIO ALVES

Bombeiro desde 1984

Ocorrência marcante: o alagamento do Túnel do Anhangabaú, em março de 1999, quando a água atingiu 5 metros de altura e submergiu 150 carros. “Trabalhei por quinze horas sem parar”

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O sargento Fernando Procópio Alves não foi uma criança fascinada pelos bombeiros nem tem militares na família. “Aliás, em casa ninguém queria que eu entrasse para a polícia”, afirma. “Eles só se tranqüilizaram quando eu disse que iria me tornar bombeiro.” Nesses 22 anos de profissão, o maior desafio que enfrentou foi durante a enchente do Túnel do Anhangabaú, em março de 1999. Paramentado com um macacão emborrachado e colete salva-vidas (como essa roupa da foto), ajudou pessoas prestes a se afogar. Trabalhou por quinze arriscadas horas. Alves nunca se arrependeu da escolha que fez. Principalmente porque foi na corporação que conheceu a soldado Imaculada Luna, com quem é casado há seis anos e tem dois filhos – o mais velho, de 4 anos, fala em ser bombeiro quando crescer. O pai promete dar todo o apoio.

SOLDADO JOSÉ MARCÍLIO DUARTE

Bombeiro desde 2000

Ocorrências marcantes: os dois partos que ele realizou, em 2002 e em 2003. “É muito emocionante o bebê nascer em nossas mãos”

Todos os anos, 1 500 mulheres em trabalho de parto são atendidas pelos bombeiros na cidade. Em geral, eles conseguem levá-las até o hospital mais próximo e o bebê nasce com o auxílio de um médico. Mas não é sempre assim. No ano passado, houve nove casos na capital em que a criança veio ao mundo pelas mãos de um bombeiro. “São histórias de uma emoção muito grande”, afirma o soldado José Marcílio Duarte, com dois partos no currículo. “A família toda vem abraçar e agradecer, alguns choram.” Nas duas vezes em que ajudou parturientes a dar à luz, Duarte recorreu a lições aprendidas no curso de emergências médicas, que ele fez em 2001. Casado há doze anos, o soldado não tem filhos. “Essas minhas duas experiências aumentaram muito a vontade de ser pai.”

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TENENTE JOSÉ CAMILO DOS PASSOS

Bombeiro desde 1980

Ocorrências marcantes: incêndio no Edifício Grande Avenida, em 1981, e queda do Fokker 100 da TAM, em 1996. “Eu estava em um curso no aeroporto e integrei a primeira equipe que chegou ao local”

Nascido em Orlândia, no interior, o menino José Camilo dos Passos ficou impressionado ao observar os bombeiros em ação para retirar um rapaz afogado de um rio. Tinha 10 anos e acabava de descobrir o que seria quando crescesse. Pouco mais de uma década depois, recém-formado bombeiro, ele integrava o grupo dos 300 homens que trabalharam no incêndio do Grande Avenida, na Avenida Paulista – dezessete pessoas morreram e 53 ficaram feridas. “Eu ainda era bastante inexperiente e fiquei quase 24 horas atuando ali”, lembra. Passos admite que o medo é constante. Em um incêndio, a primeira providência é desligar a energia elétrica, e isso faz com que o bombeiro tenha dificuldade para se localizar no espaço. “Uma vez, eu me perdi dentro de um prédio em chamas e precisei abrir um buraco na parede para conseguir sair.”

TENENTE PRISCILA MAYUME OYAMA

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Bombeiro desde 2005

Ocorrência marcante: a tragédia do metrô, há duas semanas

CAPITÃO EDUARDO BOANERGES BARBOSA

Bombeiro desde 1969 (aposentou-se em 2004)

Ocorrências marcantes: incêndios do Edifício Andraus, em 1972, e do Edifício Joelma, em 1974, queda do avião que levava a banda Mamonas Assassinas, em 1996, e queda do Fokker 100 da TAM, também em 1996

Enquanto a jovem tenente Priscila Mayume Oyama, de 25 anos, sujava as botas na cratera do metrô, o capitão Eduardo Boanerges Barbosa, de 60, na reserva desde 2004, acompanhava a tragédia pela televisão. “Com orgulho por ser bombeiro”, ressalta. A tenente ajudou a retirar o corpo da aposentada Abigail Rossi de Azevedo, no dia 15. “Trabalhei por mais de doze horas”, conta ela, uma das poucas mulheres na corporação. Para cada vinte bombeiros homens em atividade, há apenas uma mulher – são 124 as que atuam na cidade. Um avanço se comparado ao tempo de Boanerges, que se emociona diante de tantas histórias marcantes. “É muito forte a imagem das pessoas se jogando do Joelma em chamas”, lembra. “Fica impossível esquecer.” Como o efetivo de bombeiros era muito menor na época de Boanerges, havia mais chance de atuar com os mesmos colegas. Portanto, existia um entrosamento maior. “Trabalhei durante dezessete anos na mesma equipe, formada por quatro bombeiros”, explica. “Só de olhar sabíamos o que o outro estava pensando. E isso facilitava na hora dos resgates.”

8000 chamados por dia,…

…mas apenas 2,5% são ocorrências de verdade. Das pessoas que acionam o serviço, 40% pedem informações de todo tipo, 31,5% passam trote e 26% solicitam algo que não compete aos bombeiros

1 Quem liga para o 193 de qualquer ponto da cidade é atendido por um dos 22 profissionais de plantão do Centro de Operações dos Bombeiros (Cobom), como a cabo Solange Vaitkevicius. “Tentamos descobrir o máximo possível a respeito do fato”, diz. É um processo que leva até um minuto e meio

2 O atendente preenche uma planilha eletrônica e envia o documento por rede ao posto dos bombeiros mais próximo da ocorrência. Existem 45 quartéis na cidade

3 Com base nas informações, é liberada a viatura mais adequada para o caso (que pode ser um incêndio, um acidente de trânsito ou um afogamento, por exemplo)

4 Em geral, os bombeiros chegam ao local em oito minutos. Antes de 1996, quando tudo era feito manualmente, o atendimento costumava levar o dobro do tempo

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