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Bienal: Ibama revoga licença e retira urubus de obra de Nuno Ramos

Em Istambul, na Turquia, onde participa de uma mostra coletiva, o artista não quis comentar o caso

Por Jonas Lopes
Atualizado em 5 dez 2016, 18h34 - Publicado em 8 out 2010, 23h10

Inaugurada no dia 25 de setembro, a 29ª Bienal de São Paulo tem despertado polêmicas. A começar pelo barulho que envolveu os desenhos em que o pernambucano Gil Vicente “assassina” personalidades políticas e a simulação (proibida) de campanha política promovida pelo argentino Roberto Jacoby. Nenhum trabalho, no entanto, causou tanto burburinho quanto ‘Bandeira Branca’, do paulistano Nuno Ramos, posicionada no vão central do edifício projetado por Oscar Niemeyer. Ousada, a obra foi exibida pela primeira vez em 2008, no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília, e traz três esculturas. No alto de uma delas, caixas de som tocam músicas como ‘Carcará’. Dentro dessa área, cercada por uma rede, foram soltos três urubus-de-cabeça-amarela vivos – o motivo da confusão.

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Embora a Fundação Bienal tenha conseguido antes da abertura a autorização de transporte e manejo do Ibama de Sergipe (as aves pertencem ao Parque dos Falcões, em Itabaiana), manifestantes protestaram contra a presença dos animais já no primeiro dia da exposição. Um deles, integrante do grupo Pixação SP (selecionado para expor no evento), chegou a pichar em uma das esculturas a frase “Liberte os urubu” (sic). No dia 1º, o Ibama revogou a licença e pediu a retirada das aves, com a justificativa de que estavam em um ambiente fechado, sem incidência de sol e com excesso de barulho, vindo tanto das caixas de som quanto dos visitantes.

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“Quando o artista e a Bienal requisitaram a autorização, apresentaram fotos que não correspondiam ao local onde os urubus estão”, explica Gláucia Bispo, coordenadora do Núcleo de Fauna do Ibama de Sergipe. O vereador Roberto Tripoli (PV), um dos responsáveis pela denúncia do caso, também critica a obra. “Pretendo apresentar nos próximos dias um projeto de lei proibindo a presença de animais em qualquer exposição na capital.” O presidente da ONG Animais da Aldeia, José Carlos Orlandin, acusa ‘Bandeira Branca’ de ser um “golpe de marketing da Bienal para chamar a atenção da imprensa”.

A diretoria da Bienal entrou na Justiça para tentar suspender a decisão do Ibama, mas na última quinta (7) a 13ª Vara Cível rejeitou o pedido. Em Istambul, na Turquia, onde participa de uma mostra coletiva, Ramos não quis falar sobre o caso. “Só vou me pronunciar quando voltar ao Brasil”, disse. A retirada dos bichos ocorreu na própria quinta-feira, após o fechamento do evento.

Por trás de tanta gritaria está um dos artistas contemporâneos mais importantes do país. Nuno Ramos, de 50 anos, integrou na década de 80 o grupo Casa 7, ao lado de outras quatro jovens revelações, Carlito Carvalhosa, Fábio Miguez, Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade. O quinteto chegou a participar da 18ª Bienal, em 1985. Ramos ganhou prestígio nos anos seguintes com pinturas caracterizadas pelo acúmulo de materiais variados, a exemplo de gesso e parafina. A partir dos anos 90, dedicou-se, sobretudo, a esculturas e instalações de grande porte, caso de ‘Mar Morto’, formada por uma canoa e um barco de pesca cobertos de sabão. Atualmente, está em cartaz no MAM-RJ com ‘Fruto Estranho’ — dois aviões monomotores presos em árvores e, mais uma vez, revestidos de sabão.

O artista também causou polêmica em 2006, ao exibir três burros carregando caixas de som em uma sala do Instituto Tomie Ohtake — daquela vez, os protestos de ambientalistas não surtiram efeito. “A produção dele sempre propõe interrogações, nunca é domesticada nem confortável”, opina a curadora Vanda Klabin. “Elas exigem maturação por parte do público, até por incluir informações de outras áreas, como literatura, música, filosofia e cinema.”

O trânsito fácil entre os gêneros, aliás, é a principal característica de sua carreira. O paulistano tornou-se ainda um escritor respeitado. Publicou quatro livros de contos: ‘Cujo’ (1993), ‘O Pão do Corvo’ (2001), ‘Ó’ (2008, vencedor do Prêmio Portugal Telecom no ano passado) e o recém-lançado ‘O Mau Vidraceiro’, além de ‘Ensaio Geral’ (2007), coletânea de artigos sobre arte, samba e futebol. Dirigiu curtasmetragens e escreveu letras de canções em parceria com o compositor e cantor Romulo Fróes. “Nuno sempre procura o limite de cada linguagem, até sair dela e cair em outra coisa”, define o crítico e professor da USP Lorenzo Mammì. “Essa tensão permanente faz dele não apenas um grande artista, mas um dos principais pensadores do país.”

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OUTRAS POLÊMICAS

Antes dos urubus de Nuno Ramos, a 29ª Bienal passou por outros debates calorosos. O primeiro em torno da série ‘Inimigos’, na qual o pernambucano Gil Vicente desenha a si mesmo assassinando personalidades políticas e públicas — entre elas Lula, Fernando Henrique Cardoso, George W. Bush e a rainha Elizabeth. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu a retirada das obras, mas o aspecto apartidário delas garantiu sua permanência. Não foi o caso do argentino Roberto Jacoby, que teve a instalação ‘A Alma Nunca Pensa sem Imagem’, uma simulação de campanha política em favor da candidata petista à Presidência Dilma Rousseff, coberta pela própria organização da mostra, por configurar propaganda eleitoral em um prédio público.

 

Em 2008, a Bienal apanhou da crítica por deixar vazio um andar do Pavilhão, enquanto o curador Adriano Pedrosa foi recriminado, um ano depois, por não incluir nenhum brasileiro na tradicional mostra ‘Panorama da Arte Brasileira’, do MAM. O paulistano Eduardo Srur, por sua vez, é conhecido pelas intervenções em espaços públicos. Já colocou coletes salva-vidas em monumentos públicos, caiaques no Rio Pinheiros e garrafas de plástico gigantes no Rio Tietê. Haja discussão.

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