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Banquete kosher é servido por jovens judeus usando quipá

Muitos bufês investem nesse tipo de serviço cheio de regras e conceitos

Por Sara Duarte
Atualizado em 5 dez 2016, 19h28 - Publicado em 18 set 2009, 20h30

O casamento de Eleonora e Ivo Rosset, realizado há duas semanas na Casa Fasano, chamou atenção por um detalhe incomum: entre os oitenta garçons, uma dezena usava quipá. Para celebrar sua união civil, o casal recebeu 400 convidados com um almoço kosher. Além de um cardápio elaborado segundo preceitos da Torá, o livro sagrado do judaísmo (leia quadro), foram servidas garrafas do vinho Château Giscours e do champanhe Laurent-Perrier, confeccionados sob a rígida orientação de rabinos. Para não perder a característica de alimentos sagrados, tais bebidas só podem ser manuseadas por judeus praticantes, ou seja, que respeitam os diversos preceitos religiosos, entre eles o Shabat. O estudante de direito Sami Cytman foi um dos jovens recrutados para a tarefa. Ele e os colegas receberam 200 reais cada um para atuar por algumas horas como garçons especializados. Questionado pelos presentes, Cytman explicava que, “do momento em que é rompido o lacre até o consumo da última gota”, as garrafas teriam de ficar sob a vigilância de um judeu praticante. O costume a que ele se referia é aplicado a um tipo específico de bebida kosher: as chamadas não-mevushal, elaboradas à base de uva e não pasteurizadas.

Antes restrito a festas religiosas, o cardápio judaico é servido atualmente em bufês como França, Leopolldo Itaim, Charlô e Casa Fasano. Cada um deles realiza ao menos cinco eventos kosher por mês. A comerciante Rita França, sócia do bufê que leva seu sobrenome, afirma que, nos últimos tempos, virou tendência recrutar jovens judeus para trabalhar em tais festas. “Eles despertam a simpatia dos convidados, que percebem estar diante de um ritual especial”, diz. Organizar um banquete kosher exige uma preparação muito diferente da de uma festa comum. Em primeiro lugar, os membros mais tradicionais da comunidade só freqüentam bufês que tenham a aprovação de sua sinagoga. Dias antes do evento, um rabino precisa ir ao local para “casherizar” a cozinha. Munido de um maçarico ou lança-chamas, o religioso faz orações e direciona o fogaréu para as panelas, a bancada de aço inox e o fogão industrial. Utilizando água quente, higieniza pratos, copos e talheres. “O calor elimina os vestígios de outros alimentos, purificando o ambiente para que a comida possa ser preparada”, afirma o rabino Richard Tamezgui. Quando ele termina o serviço, o ambiente é lacrado e só é reaberto na hora de preparar o jantar.

Do momento em que se acende o fogo até o fim da festa, cada detalhe da refeição kosher precisa ser fiscalizado por uma autoridade religiosa judaica. Por isso, supervisores como Eduardo Tamezgui, irmão do rabino Richard, costumam trabalhar tanto quanto os cozinheiros. Na semana passada, Eduardo permaneceu cinqüenta horas ao lado da equipe da Casa Fasano para garantir que um jantar oferecido pela construtora Cyrela Brazil Realty saísse conforme o previsto. “É meu dever certificar que todos os produtos utilizados no preparo dos pratos são kosher”, conta. “Quanto aos alimentos naturais, como verduras, legumes e cereais, devo analisá-los detalhadamente para verificar a existência de impurezas ou insetos.” Profissionais como ele recebem de 300 a 800 reais por evento. Além da fiscalização propriamente dita, precisam peneirar a farinha de trigo e quebrar os ovos de galinha um a um, com o objetivo de eliminar os que contenham vestígios de sangue.

Os bufês têm de abrir suas instalações para a casherização e possuir duas cozinhas separadas: uma para o preparo de carnes e outra para o de laticínios. É necessário ainda adaptar o cardápio. As massas são feitas com leite kosher ou de soja, o hambúrguer é de carne vegetal e os doces levam chocolate amargo, sem leite. Por todo esse cuidado, as casas de festas costumam cobrar cerca de 20% mais dos clientes que optam pelo serviço kosher. “Apesar de trabalhoso, é um tipo de evento lucrativo, e a procura vem aumentando ano a ano”, explica Guilherme Crissiuma, do Leo-polldo Itaim. Andrea Fasano e Patrícia Filardi, sócias da Casa Fasano, passaram a prestar serviços para a comunidade judaica há um ano e meio e também não têm do que reclamar. “O mais recompensador é conseguir fazer comida kosher digna das melhores cozinhas internacionais”, diz Andrea. “Em vez de pratos tradicionais judaicos, fazemos a mesma massa e o mesmo risoto que deram fama ao Fasano, mas seguindo os preceitos da Torá.”

As regras da comida judaica

Do hebraico “adequado, próprio, autorizado”, kosher é todo alimento fiscalizado e aprovado pelo Rabinato Judaico. Não se trata de um tipo de culinária, mas de um processo de preparo que obedece a preceitos da Torá, que existe há quase 6 000 anos

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• É proibido misturar carne e laticínios em uma mesma refeição. Na cozinha onde se preparam carnes não se manuseia ou armazena leite, e vice-versa

• Só se come carne de mamíferos ruminantes com cascos fendidos, como o boi e o cordeiro

• Entre as aves, são permitidos apenas frango, pato, peru e ganso

• Das espécies de peixes, são liberadas todas as que têm escamas e nadadeiras

• O consumo de crustáceos e frutos do mar é proibido

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• Da fabricação até o engarrafamento, as bebidas à base de uva – suco, vinho, champanhe e conhaque – têm de ser supervisionadas por autoridade judaica

• Frutas, verduras e cereais são fiscalizados para garantir que estejam livres de insetos e impurezas

• O fogão deve ser aceso por um judeu praticante. Se a chama apagar, somente ele pode reacendê-la

• Desde que seus ingredientes levem o selo do Rabinato (à esq.), refeições da culinária italiana, brasileira ou oriental são consideradas kosher. Nos sites https://www.bdk.com.br e https://www.bka.com.br há listas com todos os alimentos certificados

Fontes: Braulio Pasmanik, colunista de gastronomia da revista Gula, e Roberto Cohn, supervisor kosher

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