Sou do tempo do presépio. Na primeira semana de dezembro o presépio da casa deveria estar pronto, “montado”, como se dizia. Buscavam-se nas caixas velhas de sapatos os bichos e personagens guardados que iriam compor a cena do Natal, como hoje se guardam as bolas coloridas, as guirlandas verdes, as luzes, as estrelas, os papais-noéis e adornos que vão enfeitar a árvore. Durante aquela semana, preparava-se o material que iria formar a gruta, a estrebaria, segundo a tradição, e a colina que levava a ela: papel resistente, aproveitado de sacos de cimento, sobre o qual se espalhava um grude à base de polvilho e depois pó de pedra, e se deixava ao sol para secar. Isso era serviço da meninada, que tinha também de sair catando musgo seco, folhas e sementes para figurar como vegetação. Depois de seca, moldava-se a estrutura de papel coberto de pó de pedra formando a gruta e a montanha, apoiada sobre uma mesa e paredes de um can-to da sala. Em seguida, colo-ca-vam-se veios de areia branca desenhando os caminhos, o mus-go, flores secas, e neste cenário colocavam-se a vaquinha, bezerrinhos, boizinhos, cavalo, jumento, carneiros, Maria, José, pastores, um deles com um cordeirinho nos ombros, um galo no alto da colina, cachorro deitado, ninho com uma galinha, os reis magos ainda distantes (eles iam sendo colocados mais perto da gruta a cada dia, até chegarem, no Dia de Reis), uma manjedoura com capim, ainda sem o menino. No meio da noite do dia 24, a mãe botava ali o Jesus Cristinho, e o Papai Noel botava presentes nos sapatinhos enfileirados das crianças. Acordávamos com aqueles milagres já feitos.
Havia presépios enormes na cidade, alguns com figuras em movimento, aos quais nos levavam. Ainda há – talvez mais simples, se comparados com os da nossa imaginação de crianças –, mas a maioria dos pais prefere levar as crianças para ver a decoração de bancos e grandes shoppings, mais espetacular. O presépio não era um show, era uma alegoria, uma dramatização ingênua, ligada à religião e ao mistério: os reis iam prestar reverência ao pobrezinho.
Nada tenho contra as árvores de Natal. Minhas filhas e netos são deste tempo de vermelho e compras, divertem-se com a montagem doméstica da árvore natalina como nós nos divertíamos com os presépios. Ela tem sua simbologia, claro, que se espalhou por todo o Hemisfério Norte e chegou aos trópicos por influência cultural. Lá, em meados do gelado inverno, toda a vegetação está desfolhada, seca, e as árvores de Natal simbolizam a esperança de verde e renascimento. Aqui, a simbologia não faz sentido, mas fazem sentido o colorido e a alegria que elas transmitem.
Mas eu queria falar mesmo é de outras árvores.
Se tiverem tempo e olhos de ver, paulistanos, prestem atenção nas nossas árvores do Natal, as verdadeiras, as das ruas e dos quintais. Reparem. Elas se oferecem neste verão em tons de verde luxuriosos, que vão do muito claro ao escuro denso. Ganharam ramos novos e vigor na primavera; banharam-se nas chuvas da estação; suas folhas, livres do pó, brilham. Batalhadoras con-tra o asfalto e o poeirão poluído, essas árvores dão-nos lições não de renascimento, mas de resistência.
Precisamos resistir, parecem dizer, à desesperança, ao sufoco, à falta de condições, à pequena recompensa, ao abandono, ao vandalismo, ao desprezo às nossas raízes, aos quebradores de galhos, aos parasitas.
Reparem, paulistanos, principalmente nas árvores que se enfeitam de flores neste Natal. Os jasmins-mangas estão escandalosos, flores variando do branco leitoso ao salmão. A delicada extremosa parece um ramalhete. Os flamboaiãs, frondosos, já começam a ostentar sua variada paleta. As últimas flores dos jacarandás-mimosos ainda mostram seu azul arroxeado. Despontam, na cássia-imperial, cachos de ouro. Os manacás se enfeitam de branco e violeta. Os manacás-de-jardim perfumam a vizinhança.
Agradeçamos às nossas árvores do Natal seu delicado presente.