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Ai, a televisão

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h46 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Desculpem o mau humor ao tocar nesse assunto.

Os comerciais, ai, os comerciais. O problema da propaganda na televisão é o seguinte: ela está invadindo o nosso espaço. Tem de pedir licença para entrar na nossa casa, e entrar com respeito. O anunciante precisa entender que a gente não liga a tevê para assistir ao comercial dele. Ele é um invasor. Então, que nos seduza, nos dê um presente, dê ao programa a que estamos assistindo uma pausa agradável. Estridência e mau gosto ofendem. Criadores acham que fazem coisas engraçadas. Uns acham, outros fazem realmente. Só que não sabem a diferença, parece. Os varejistas pensam que têm de gritar, como se estivessem na Rua 25 de Março.

Ai, certas palavras! “Galera” – irritantemente repetida como se fosse popular, para buscar intimidade com os auditórios. Nos domingões ela comparece pelo menos 187 vezes. É a palavrinha mais fácil de todos os programas de auditório, de Luciana Gi-me-nez ao incrível Huck, de Eliana a Faustão. Outra palavrinha típica da TV é “madame”. Fora da televisão, só manobrista de carro e maître de restaurante cafona chamam as senhoras de madame. O povo em geral usa o termo em tom irônico, até pejorativo. É também o nome dado às espertalhonas que leem o destino nas cartas ou na bola de cristal. Nas novelas, com sua cafonice de século XIX, os empregados – motoristas, mordomos, go–vernantas, seguranças, porteiros – chamam a patroa de madame. Bizarro, como dizem no Rio.

Ai, ai, ai, a pronúncia de certas palavras! Repórteres estão criando uma maneira de falar esquisita, que se espalha entre eles como gripe. É uma prosódia própria da TV, apenas parecida com a do português. Consiste na criação de uma nova sílaba tônica em palavras que têm mais de três sílabas, seguindo-se uma ligeira pausa e o resto da palavra. A pausa parte a palavra em duas. Assim: respôn-sabilidade. Deu para perceber? Reparem nos noticiários. É uma muleta em que os trôpegos da TV se apoiam no meio da frase. Falam coisas assim: mê-teorologia, chuvas ô-casionais, trân-quilidade, rê-modelação, represên-tatividade, prô-dutividade, ês-tabilização, fá-turamento, cô-mercialização, glô-balização, côn-sumidor, fûn-damental, cri-atividade, obi-jetivamente, as informações serão sô-licitadas… e por aí vão.

Ai, os atores, os cacoetes que igualam os atores! Por falta de recursos, bufam para demonstrar que os personagens foram contrariados. Parece teatro de colégio. Fazem longa pausa depois do “eu”, para fingir naturalidade, mesmo em falas em que não cabe nenhuma hesitação: “Eu… queria que você ficasse”; “Eu… vou fazer umas compras”. (Reparem que nos filmes dublados acontece o mesmo, quer dizer que o cacoete vem de lá.) E como gritam! Conversam aos berros, qualquer cena de novela em família é aos berros, todos pensando que passam emoção, calor, e na verdade só passam grosseria e má educação.

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Ai, a novelização, a dramatização da notícia! As neuroses das equipes de reportagem alavancando notícias. É a gripe, mais dramática no noticiário do que na realidade; é Ronaldo, Adriano e outros, de ídolos problemáticos a heróis, ou vice-versa; é a fabricação de heróis e reis, “o nosso rei”, “a nossa rainha”, tudo com os mesmos golpes populistas, os mesmos exageros, a escolha de palavras para tornar a coisa mais sensacional sem ferir o padrão jornalístico; é a atitude, que torna repórteres e apresentadores em atores da notícia.

E o Brasil, ai, o Brasil da TV! A imagem que os noticiários e as novelas passam é que nossa sociedade é constituída de safados, bandidos, tarados, chacinas, brigas de camelôs, assaltos, tiroteios, drogas e carências, de um lado, e do outro políticos, classes produtoras, falcatruas, safadezas, escândalos, o mercado e seu palavreado e seus intérpretes. E o Brasil que está no meio desses dois extremos, cadê? É só show e futebol? Falta um Brasil em que a população não apenas reconheça o outro e seus defeitos, mas em que os indivíduos se reconheçam, para rir ou chorar.

Desculpem o mau humor.

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