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A tal princesa

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h06 - Publicado em 9 nov 2009, 13h07

Olá, cronista! Bom te encontrar. Eu ia te mandar um e-mail, mas agora vai ao vivo e em cores. Aquela história da crônica passada ficou pela metade. Como se diz: contou o milagre e não contou o santo.

-Que história, amiga?

-Aquela da tal princesa portuguesa e dos cadernos de receitas dela encontrados em Nápoles. Não contou que princesa era essa nem como as receitas dela foram parar na Biblioteca de Nápoles. Perdeu tempo falando que Camões e Pedro Álvares Cabral comiam galinha com açúcar e deixou a princesa de lado.

-Crônica não tem espaço sobrando. É pá-pum.

-Não era mais interessante falar da princesa?

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-Eu queria falar de como mudam os usos e os costumes e que até em receitas de comidas você surpreende a passagem do tempo. O recado é que muitas coisas que valorizamos hoje não têm permanência.

-Olha, ficou faltando. A princesa, o mistério dos cadernos…

Dá pra contar?

-Dá, dá. A infanta dona Maria já não era uma criança quando começaram a tramar o casamento dela com um príncipe italiano. Ela, com 26 anos; ele, Alessandro Farnese, mocinho,

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com 19. Ela gostava das coisas de casa e da religião; ele só queria saber de cavalos, de caça e combates. Ela, neta do rei dom Manuel, o Venturoso, patrono das navegações que levaram à Índia e ao descobrimento do Brasil; ele, neto do papa Paulo III. Ela, filha do duque de Guimarães; ele, do duque de Parma e Piacenza. Príncipes, gente fina.

-Ele lá no norte da Itália, ela em Portugal. Se conheceram como? Num baile, como nas histórias de príncipes e princesas?

-Nada. Só se encontraram dois dias antes do casamento, negociado secretamente em Madri, durante quase um ano. Tudo trama do rei Felipe II da Espanha, dono de metade do mundo conhecido na época. Os casamenteiros negociavam dotes e bens, atuais e futuros, coisas do tipo se ela tiver filhos, leva tanto; se não tiver, perde tanto. Casaram por procuração, em 1565. A cerimônia de casamento só aconteceu nove me ses depois, em Flandres, governada na época pela mãe do noivo.

-Aí se apaixonaram.

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-Não faz novela, amiga.

O príncipe não estava gostando nada daquele casamento com uma desconhecida, sete anos mais velha. Durante a viagem dela para Flandres, numa armada de cinco navios, apanhada por uma enorme tempestade, ele chegou a comentar que seria melhor se ‘aquilo tudo’ fosse para o fundo do mar.

-Ai, que decepção. Que grosso!

-Homens de armas são assim, querida. De lá, da Holanda, foram para Parma.

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A noiva levou de Portugal uma corte de trinta pessoas, incluindo seu confessor, e livros litúrgicos portugueses com os acompanhamentos musicais, porque lhe haviam

dito que a liturgia italiana era meio, vamos dizer, folgada. Levou músicos, camareiras, cozinheiros…

-Cozinheiros? Ah! Aí entram as receitas…

-Exatamente. Levou quatro cadernos de receitas. Os títulos dizem: manjares de carne, manjares de ovos, manjares de leite e cousas de conserva, que são as compotas de frutas. Depois que ela morreu, foi tudo doado pela família Farnese à Biblioteca Nacional de Nápoles, e as receitas só foram encontradas 300 anos mais tarde, publicadas 400 anos depois que ela as levou para a Itália. Estão no Livro de Cozinha da Infanta D. Maria.

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-Não falei que ela merecia atenção na sua crônica?

-Não tinha espaço, meu amor. Ela sabia grego, latim, traduziu obras religiosas, praticava caridade, tirou prostitutas da rua e deu outra vida a elas. Escreveu um caderno de comportamento para as damas da corte no qual dizia que, aspas, à mulher convém não apenas que seja casta, mas que pareça casta, fecha aspas. Embora o marido vivesse nas guerras, tiveram três filhos. Morreu moça, 39 anos.

-E ele?

-Morreu na guerra, quinze anos depois. É o mais ilustre da ilustríssima família Farnese. Em São Paulo, tanta glória dá nome a apenas uma ruazinha na Zona Leste, Rua Alexandre Farnésio, no Jardim Aricanduva.

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