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A guerra suja

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 18h58 - Publicado em 29 jan 2010, 12h36

Na esquina em frente ao grande condomínio nas colinas de Perdizes, brotou um barzinho. Um desses do novo estilo, mais mauricinho, só noturno, com pizza, cerveja, sinuca, música e telões de futebol. Fica no 1º andar de um sobrado. Os fumantes e seus amigos passaram a ocupar as escadas e a calçada, copos nas mãos, conversando naquele tom exclamativo próprio dos frequentadores de botecos, pontuado por palavrinhas chulas. Nos dias de jogos, escapavam pelas janelas gritos de “Timããão!”, “Pooorco!”, “Tricolooor!”. Sabe como é torcedor de futebol durante os jogos. Sabe como é torcedor de futebol quando seu time faz gol. Sabe como é torcedor de futebol quando qualquer adversário toma gol. Sabe como é torcedor.

O barulho passou a incomodar as pessoas do condomínio. Uma comissão foi até a outra esquina tentar uma convivência pacífica. O dono do bar, rapaz simpático, disse que sim, ia segurar a onda do pessoal, na boa. Não segurou, nem se sabe se tentou.

Os moradores foram à prefeitura checar alvará, finalidade, habite-se, dispositivo antirruídos — nada conseguiram além do habitual “vamos estar verificando”. Foram ao Psiu, que não faz psiu para ninguém. Então resolveram partir para a guerra. Na primeira reunião para decidir as táticas da guerra houve sugestões radicais:

— Vamos botar o lixo daqui na porta deles. São 300 apartamentos. Se a metade botar o lixo lá, são 300, 400 quilos.

— Não pode! Não é civilizado!

— E por acaso é civilizado o que eles fazem? Vamos dar o troco! É poluição sonora pra cá, poluição ambiental pra lá.

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Os radicais gostaram, os racionais nem tanto:

— A prefeitura vai enquadrar, vai multar a gente.

Desistiram do lixão. Novas propostas, uma engraçada:

— No auge do barulho deles, lá pelas 11 horas, vamos invadir o boteco vestindo pijamas, entupir até a escada, 300 moradores, todo mundo de pijama, camisola, baby-doll, robe, chinelos, escova de dentes… Mostrar a eles que queremos dormir!

A ideia foi de uma universitária do 14º, muito aplaudida. Alguém argumentou:

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— Eles vão chamar a imprensa, usar a gente para fazer propaganda. Já imaginou o sucesso? A freguesia vai aumentar. Vão é gostar.

Aí nasceu a ideia da guerra suja:

— Quantos cachorros temos aqui no condomínio? Uns cinquenta? Por baixo. Vamos levar todos eles no colo até a calçada de lá e estimular os bichinhos a fazer as necessidades na porta deles. Número 1 e número 2. Os caras chegam no fim da tarde, vão encontrar lá as lembrancinhas.

Aprovado. Quando começou a guerra, quem mais gostou foram as crianças, até se ofereciam para “passear” os cães mais de uma vez. O resultado foi satisfatório. Da esplanada da piscina esperaram a chegada dos inimigos, divertiram-se com a agitação e a indignação dos donos e dos empregados, deram risadas com o banho de sabão na calçada e as caras de nojo. No dia seguinte, a adesão canina foi maior. A charmosa do 21º, cuja cachorrinha recusou a mudança de lugar, fez questão de atravessar a rua para depositar na porta do boteco o conteúdo do saquinho ecológico e veio de lá sorrindo com a travessura. O cheirinho do lugar passou a estimular cães de outros prédios e solidários vira-latas de carroceiros.

No terceiro dia da guerra suja, os empregados do barzinho se recusaram a fazer a faxina, alegando que aquilo não fazia parte do contrato de trabalho. Naquela noite, o bar não pôde abrir. O dono pediu armistício e uma comissão para negociar a paz.

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Dias depois o bar reabriu com sistema antirruído e proibição de fregueses na calçada. Os cachorrinhos voltaram alegres aos seus lugares preferidos.

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