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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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O perigo de se criar memórias falsas ao achar que são memórias reprimidas

A maior parte daquilo que entra em nosso sistema nervoso não é consolidado como memória e boa parte daquilo que é consolidado como memória não fica acessível à recordação. Experiências desagradáveis são armazenadas na memória ao menos no que diz respeito ao seu componente emocional, que depende da amígdala, mas não necessariamente no que diz […]

Por Carolina Giovanelli
Atualizado em 26 fev 2017, 12h53 - Publicado em 14 mar 2016, 16h11

memória

A maior parte daquilo que entra em nosso sistema nervoso não é consolidado como memória e boa parte daquilo que é consolidado como memória não fica acessível à recordação.

Experiências desagradáveis são armazenadas na memória ao menos no que diz respeito ao seu componente emocional, que depende da amígdala, mas não necessariamente no que diz respeito à sua porção episódica, que depende do hipocampo e de porções do córtex cerebral. Por exemplo, uma pessoa que enfrenta forte medo e ansiedade diante de cães atesta a consolidação da memória de alguma experiência aversiva com algum cachorro no passado, mesmo que não consiga se lembrar do episódio em que essa experiência aconteceu. Nesse caso, podemos inferir que aquele conteúdo foi reprimido, ou seja, foi memorizado mas ficou inacessível à recordação.

O fato é que é difícil estudar o acesso a memórias reprimidas de forma controlada. Para alguns estudiosos, como o psicólogo polonês Tomasz Witkowski, nunca se provou que a repressão exista. Mas, embora a demonstração controlada do processo de repressão ainda não tenha sido feita, a tese de sua existência é válida. Quando, por exemplo, nos recordamos repentinamente de uma canção da infância que sequer poderíamos relatar até então, estamos evocando uma memória que estava reprimida.

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A dificuldade na compreensão das memórias reprimidas levanta dois problemas. O primeiro deles é que existe a possibilidade de que a porção declarativa de uma memória supostamente reprimida, na verdade, sequer tenha sido memorizada. Voltando ao exemplo do medo de cachorros, como ter certeza de que a memória do dia em que o medo se instalou a partir de uma experiência negativa foi reprimida ou, se na verdade, sequer chegou a ser consolidada na memória, permanecendo apenas seu componente emocional implícito?

O segundo problema é que já se demonstrou cientificamente que é possível induzir a formação de falsas memórias. E aqui é que entram as psicoterapias baseadas na recuperação de memórias reprimidas. Se não sabemos ainda como (do ponto de vista do sistema nervoso) uma memória se torna reprimida e se sabemos que é possível criar falsas memórias… como um psicoterapeuta pode garantir que está ajudando o paciente a recuperar uma memória reprimida ou se está, na verdade, induzindo a formação de uma falsa memória que será percebida pelo paciente como sendo verdadeira?

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A simples elaboração de uma hipótese na terapia pode servir como um elemento indutor da formação de uma memória falsa. Há casos no sistema judiciário dos EUA nos quais a condenação de alguns cidadãos (pais, mães, padrastos e madrastas e parentes) por abuso sexual, atestado pela suposta recuperação de uma memória reprimida, foi revertida com a verificação posterior da impossibilidade de abuso na história daquele indivíduo. Isso é péssimo tanto porque pode punir pessoas inocentes quanto porque atrapalha na importante elucidação de casos reais de abuso, que de fato acontecem.

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Por enquanto não há mecanismos mais efetivos para evitar tais problemas a não ser a ética e a competência do psicoterapeuta. E como não dá para garantir que esta seja a realidade de todos os profissionais, é importante para quem faz terapia observar quem é o profissional que lhe está atendendo. Desconfie sempre da estratégia de recuperação de memórias reprimidas, discuta alternativa com o profissional.

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Um aspecto tentador na ideia de necessariamente identificar memórias reprimidas para explicar uma dificuldade comportamental ou emocional no presente é a noção de que a culpa é de alguém/algo independente de nós mesmos, de modo que não teríamos responsabilidade no estabelecimento daquela dificuldade. A neurociência, embora tenha avançado muito na compreensão do funcionamento do sistema nervoso, ainda não nos permite convicções acerca das memórias reprimidas.

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