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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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CONVIDADO EM TERAPIA: Conversando sobre timidez

A timidez é uma característica de grande relevância para quem a tem porque influencia fortemente o modo de interação com os outros e os resultados dessa interação. A psicóloga Dra. Fernanda Pezzato traz uma luz sobre o tema, ajudando-nos a refletir sobre quando devemos nos preocupar com a timidez. Quando a timidez se torna um […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 18h28 - Publicado em 3 mar 2015, 15h28

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A timidez é uma característica de grande relevância para quem a tem porque influencia fortemente o modo de interação com os outros e os resultados dessa interação. A psicóloga Dra. Fernanda Pezzato traz uma luz sobre o tema, ajudando-nos a refletir sobre quando devemos nos preocupar com a timidez.

Quando a timidez se torna um problema? (por Fernanda Pezzato)

Talvez todas (ou muitas) das pessoas classificadas como tímidas já se incomodaram com este rótulo. A “timidez”em nossa cultura atual adquiriu status de problema per se, vista como dificuldade, déficit, incapacidade. De fato, a inibição social em excesso pode refletir uma psicopatologia, no sentido de impedir o acesso do “tímido” a diversas oportunidades de convívio social e de trabalho e ser acompanhada de sofrimento acentuado. Nestes casos, ajuda profissional é fundamental e deve ser procurada o quanto antes – evitando que a pessoa deixe de usufruir dos momentos de aprendizagem pela convivência oferecidos em cada fase do desenvolvimento. E como não podemos prever se uma criança “tímida” sofrerá no futuro, é aconselhável que a ela sejam disponibilizadas condições para o desenvolvimento de habilidades de socialização e incentivado o convívio com seus pares de forma cuidadosa – o que pode ser proporcionado pela ajuda de caráter preventivo e deveria ser adotado como política pública de saúde mental. Mas então, todos os “tímidos” precisam de ajuda psicológica? A palavra “precisar” pode ser excessivamente taxativa, mas o fato é que todos os “tímidos”, bem como todos os não “tímidos” – ou seja, todos – podem ser beneficiados pelos conhecimentos cientificamente produzidos sobre o comportamento humano. Se a ciência nos oferece estratégias para promover desenvolvimento, previnir e diminuir o sofrimento, por que não fazer uso delas?

De volta ao incômodo produzido pelo rótulo da “timidez”, vale a pena considerar que nem todos os rotulados são prejudicados ou sofrem em decorrência de seu padrão de interação social. É bastante possível que consigam atingir objetivos e atender às exigências de interação dispostas ao longo de sua história de vida. Além disso, a crítica à “timidez” parece desconsiderar que a inibição social não é escolha ou simples falta de repertório de socialização. Como pesquisadora observadora do comportameno animal, deparei-me com inúmeras situações em que as diferenças individuais entre ratos e camundongos envolviam níveis de inibição comportamental e de socialização! Isso quer dizer que em inúmeras espécies (não apenas na humana) existem indivíduos “tímidos”. E também nos faz lembrar que é extremamente importante na natureza a existência de variabilidade (não apenas diferentes tamanhos de pescoços das girafas, como aprendemos na escola… mas também variabilidade comportamental).

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Vamos exemplificar com a história da Paulinha. Ela foi uma criança “tímida”, bastante “tímida”. Era inteligente e falante no ambiente familiar, mas se chegasse um estranho… silêncio total. A “timidez” era tanta que, quando iniciou a vida escolar, a professora demorou quatro meses para ouvir a sua voz. Os pais procuraram ajuda e proporcionaram condições para que a menina se desenvolvesse socialmente: Paulinha pôde eleger a criança de sua classe de quem mais gostava e uma série de visitas à amiguinha (inicialmente na companhia da mãe) foram realizadas, até que elas ficaram amigas que conversavam em casa e então na escola. Dali em diante, Paulinha aprendeu a conviver com diferentes crianças, a fazer novos e diferentes amigos, mudou-se de escola, fez faculdade e, acreditem, trabalha falando em público. É avaliada como uma pessoa simpática, engraçada e extrovertida. Paulinha quebrou publicamente o rótulo da “timidez”. Mas um dia, Paula procura a terapia queixando-se de “timidez”. Como assim? A Paula adulta de hoje relatou se sentir mal porque, apesar de não ter dificuldades aparentes na interação social, ainda sente parte daquela inibição da infância ao se encontrar ou mesmo falar ao telefone com pessoas pouco íntimas. Descreve também que se preocupa por gostar de ficar sozinha e não entender a necessidade do marido de ficar o tempo todo em interação: “Às vezes vejo uma paisagem bonita e quero observar em silêncio… mas para ele, se eu não descrever o que estou vendo e sentindo o tempo todo eu estou sendo distante”. Isso me fez lembrar um comentário de um sábio pesquisador oriental: “não gosto de gente que fala o tempo todo, tem gente que me estressa porque tantas palavras não me dão tranquilidade para refletir sobre o que já foi dito”. Mencionei a origem cultural, porque este pode ser um ponto relevante. Já ouvi relatos de brasileiros carrancudos que se sentiram “em casa” em outros países, bem como de extrangeiros “tímidos” que descreveram o encantamento pelo Brasil pela facilidade de se aproximar das pessoas (sim, parece que nossa cultura pode oferecer intercâmbios terapêuticos).

Bom, então quer dizer que ao falar da “timidez” precisamos considerar a diversidade biológica, a história de vida que pode favorecer ou prejudicar a aprendizagem social e ainda o contexto cultural que pode valorizar ou invalidar algumas condutas? Sim, e é por isso que analisar o comportamento humano é uma tarefa complexa. E por isso não existe uma receita simples capaz de responder ao questionamento incial acerca de quando a timidez deve ser vista como um problema. Como já mencionado, todos os “tímidos”e não “tímidos” podem se beneficiar da ciência do comportamento, o que independe da problematização. Mas como definir os objetivos da terapia? Como Paula poderia ser beneficiada? Bom, diante de tamanha complexidade, podemos sugerir algumas novas perguntas: O que de fato faz Paula gostar da solidão? É o prazer da contemplação ou evitação de interações pouco satisfatórias? O que seriam relações humanas satisfatórias? Com que frequência observamos relações humanas satisfatórias em nossa cultura? O que faz com que as pessoas precisem conversar o tempo todo? Elas conversam pelo prazer da troca ou pelo incômodo com o silêncio? Padrões altos de exigência de desempenho podem explicar a inibição das ações de Paula diante de pessoas pouco íntimas? Padrões altos de exigência de desempenho podem explicar nossa preocupação excessiva com a desenvoltura social?

Bem, estas são apenas perguntas iniciais para uma reflexão sobre o tema. O que parece relevante é sempre questionar as regras impostas e tentar identificar aquilo que de fato traz satisfação. E, sem dúvidas, aceitar e admirar a diversidade que também se expressa na forma de agir, tornando as relações humanas tão interessantes!

Fernanda Augustini Pezzato é psicóloga clínica, professora de psicologia e pesquisadora. Especializou-se em Terapia Comportamental e Cognitiva e concluiu recentemente o Doturado em Psicologia Experimental pela USP/São Paulo. Atua, juntamente com outros profissionais, no Instituto de Análise do Comportamento de Bauru. Contato: fernandapezzato@iacbauru.com.br.

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