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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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A impotência, a frustração, a raiva e o tiro

Recentemente o país foi surpreendido pela notícia da tentativa de assassinato do urologista Anuar Ibrahim Mitre (membro da diretoria do Hospital Sírio-Libanês) por um de seus pacientes (Daniel Edmans Forti) que, após atirar contra Anuar, suicidou-se. Depois da divulgação de alguns depoimentos de familiares e colegas de ambos, médico e paciente, parte da história que […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 20h48 - Publicado em 30 set 2014, 23h25

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Recentemente o país foi surpreendido pela notícia da tentativa de assassinato do urologista Anuar Ibrahim Mitre (membro da diretoria do Hospital Sírio-Libanês) por um de seus pacientes (Daniel Edmans Forti) que, após atirar contra Anuar, suicidou-se.

Depois da divulgação de alguns depoimentos de familiares e colegas de ambos, médico e paciente, parte da história que culminou na tragédia emergiu. Cronologicamente, o paciente sofreu alguns traumas num acidente de motocicleta em 2012 que culminaram numa lesão em sua uretra. O urologista propôs uma intervenção cirúrgica (uretroplastia) para recomposição dos tecidos lesionados. Após a cirurgia o paciente passou a se queixar de dores intensas e impotência sexual. Sem sucesso na reversão do quadro, o paciente se deprimiu e, no último dia 15, atirou contra o cirurgião que realizou o procedimento corretivo em sua uretra.

É importante que se diga que nenhum resultado oficial da investigação (ainda em curso) foi divulgado pelas autoridades, de modo que qualquer conclusão seria precipitada e sem fundamento. Neste momento, cabe apenas o respeito aos familiares do paciente e do urologista e ao próprio urologista, que está internado em processo de recuperação das lesões sofridas.

Tomado este cuidado e em se confirmando as impressões iniciais, parece que a tentativa de assassinato foi motivada pela frustração do paciente com a perda da funcionalidade sexual em combinação com as dores surgidas após o acidente (e, talvez, após a cirurgia feita pelo urologista). E, se assim foi, esta tragédia suscita um tema importante: a relação entre sexualidade e emoções.

O sexo é um comportamento complexo presente na evolução da vida. Tem sua funcionalidade na reprodução e também como experiência de prazer (diferentemente do que acredita o folclórico e preconceituoso candidato à Presidência Levy Fidelix), o que se manifesta de modo mais profundo na espécie humana, já que ela domina o uso de instrumentos e elabora formas ricas de convívio em sociedade, ou seja, o ser humano lida com a sobrevivência pouca parte do tempo de vida, ele tem bastante tempo para preencher com coisas que lhe façam sentido.

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O comportamento sexual humano está profunda e irreversivelmente ligado a outros comportamentos igualmente complexos, como o de vincular-se. O sexo é componente essencial até mesmo no delineamento da identidade de cada um. Assim, poder viver a sexualidade de forma plena e livre estabelece parte das condições para uma vida com saúde e bem-estar. Estes dois importantes elementos são balizados por fatores objetivos (como ausência de doenças e presença de condições materiais mínimas) e também por fatores subjetivos (a percepção que cada um tem sobre o quanto se sente realizado em sua vida).

Homens e mulheres dependem igualmente da plena vivência da sexualidade como fator de uma vida realizada. Desta feita, dificuldades neste campo geram sofrimento e angústia. Como nossa sociedade ainda é eminentemente machista, vemos diferenças no modo de enfrentamento dos problemas relacionados à sexualidade. Socialmente a busca do prazer sexual é vista como normal para homens e como um desvio para as mulheres. Um homem que explora o prazer sexual com plenitude é bem visto pela sociedade ao passo em que a mulher, quando faz o mesmo, corre o risco de ser vista como alguém que não se dá o respeito.

Este cenário favorece diferentes expectativas e diferentes modos de lidar com elas entre homens e mulheres. As mulheres tendem a se envergonhar por dificuldades relacionadas à sexualidade e da sexualidade em si. Muitas acabam se resignando em si mesmas e não compartilhando suas dificuldades com ninguém. Por um padrão reforçado pela sociedade machista, o problema como que não tem solução e, diz o senso comum dessa mesma sociedade machista, o que não tem solução solucionado está.

Mas está enganado quem pensa que para os homens é mais fácil lidar com dificuldades ligadas à sexualidade. Justamente porque os valores de nossa sociedade são machistas é difícil para o homem admitir que esteja com alguma dificuldade relacionada ao sexo. Isso gera frustração e raiva. Se a dificuldade é com a ereção, o homem tende a se sentir menos homem. Nesse processo o homem acaba projetando a raiva em outras pessoas (a parceira, por exemplo) na forma de violência.

Tanto homens como mulheres com dificuldades ligadas ao comportamento sexual sofrem. Por não conseguirem se sentir realizados nesse campo a tristeza acaba se estabelecendo e, se a situação não muda, se aprofundando até se tornar uma depressão.

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Também há ocasiões em que primeiro o sofrimento emocional se instala (depressão, ansiedade, oscilações de humor) e, como resultado de sua presença, a sexualidade passa a ser afetada (queda da libido, ejaculação precoce, impotência). Ou seja, tanto distúrbios sexuais promovem a ocorrência de transtornos mentais quanto transtornos mentais produzem distúrbios sexuais.

Um aspecto perverso acerca da relação entre sexo e emoções é que depois de estabelecido um vínculo patológico entre esses dois processos, não importando a ordem em que os problemas aconteceram, a tendência é o estabelecimento de um ciclo em que um passa a ser causa do outro simultaneamente. Quer dizer, quanto mais fragilizada a pessoa está emocionalmente, mais provável de estar insatisfeita na vivência de sua sexualidade e, ao mesmo tempo, quanto mais frustrada a pessoa se sente em relação à sua sexualidade, mais ela se fragiliza emocionalmente.

Novamente… falar sobre as motivações do paciente para atirar em seu urologista são apenas conjecturas para mim, já que estou distante da situação mas, se ele estava de fato deprimido por vivenciar um quadro de impotência sexual, pode ser que sua impotência não se devesse a fatores anátomo-fisiológicos mas, na verdade, a fatores emocionais. Pode ser que, após a uretroplastia, o caso demandasse mais por psiquiatria e psicologia do que por urologia.

Se você está experimentando dificuldades em sua vida sexual, procure apoio profissional. Compartilhe sua dificuldade antes de chegar ao ponto de projetar sua raiva de forma perigosa. E, mesmo que você nunca chegue nem perto dessa possibilidade, vale enfrentar o medo de um olhar franco sobre o problema em prol de uma vida com maior bem-estar. Sem se resolver sexualmente não é possível experimentar suas vivências em plenitude, mesmo nos outros campos da vida.

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