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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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A terapia e a ciclovia

Um dos grandes desafios para quem faz terapia é encontrar o caminho ideal para mudar velhos hábitos. Nem todo velho hábito precisa mudar.

Por VEJASP
Atualizado em 9 Maio 2022, 10h29 - Publicado em 17 set 2014, 00h03

Um dos grandes desafios para quem faz terapia é encontrar o caminho ideal para mudar velhos hábitos. Nem todo velho hábito precisa mudar. O velho hábito de cumprimentar um estranho na rua, por exemplo, faz bem. Ou o velho hábito que os feirantes têm de oferecer gratuitamente aos clientes para degustação um pedaço da fruta que querem vender.

Mas há velhos hábitos que precisam mudar, seja porque são inadequados seja porque já foram adequados um dia e hoje não são mais. Quando alguém quer parar de beber, precisa encontrar motivação para obter sucesso na mudança. Quem sofre com o transtorno obsessivo compulsivo precisa construir alternativas que lhe permitam abrir mão de suas compulsões. Quem quer vencer uma fobia incapacitante precisa quebrar o medo imposto pela fonte de sua fobia.

Durante a terapia é comum que parte significativa dos esforços do paciente e do terapeuta seja alocada na quebra dos velhos paradigmas antes de uma mudança efetiva no padrão de comportamento, antes da instalação de um novo hábito. De fato, esses dois processos acontecem simultaneamente mas pode haver um desafio maior em abrir mão do velho padrão do que em aprender um novo. A mudança de um padrão comportamental é um evento estressante por natureza porque, para que aconteça, exige que a pessoa saia de sua zona de conforto e também porque a mudança exige que haja alterações funcionais e mesmo estruturais no sistema nervoso (mudanças nas sinapses).

Quando proponho uma nova experiência comportamental aos meus pacientes visando ao objetivo estabelecido previamente, não é raro que compartilhem comigo algumas queixas tanto antes de colocar a estratégia em prática quanto durante o empenho na mudança. A cada semana algumas queixas aparecem: “Está muito difícil!”, “Isto não vai dar certo!”, “Não vai funcionar!”, “Piorou meu estado!”. Mas, aos poucos, o que normalmente acontece é que o novo padrão começa a trazer um bem-estar maior para o paciente. Começa aos poucos mas vai ficando cada vez mais efetivo. Com a prática, o paciente aprende também a incrementar a estratégia inicial com suas próprias estratégias. No final do processo ele alcança um estado de maior conhecimento de si mesmo, uma maior flexibilidade para lidar com adversidades e, principalmente, uma experiência de bem-estar e talvez até de felicidade.

Após o processo de mudança, que pode durar meses, quando os pacientes olham para trás e relembram o começo do enfrentamento das dificuldades, também é comum que digam: “Nossa… eu devia ter feito isso muito antes. Se eu soubesse que era tão fácil e que tornaria minha vida tão melhor, eu não teria ficado sofrendo por tanto tempo.”

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Esse processo de resistência à mudança é natural do ser humano. Por ser natural, ele acontece tanto no plano individual (como exposto) quanto no plano coletivo. Um exemplo marcante no plano coletivo tem a ver com a questão da mobilidade na cidade de São Paulo. Já faz anos que o trânsito na capital paulista está longe de ser eficaz. Excesso de carros, ruas mal conservadas, transporte público ruim e insuficiente. O paulistano já sabe que a mobilidade é difícil na cidade. Também já sabe que não é mais possível mudar a estrutura da cidade para garantir o fluxo dos automóveis e que, portanto, a saída viável é priorizar o transporte coletivo e o transporte por veículos alternativos. Ótimo… então é só colocar em prática. Mas aí é que vem nossa tradicional resistência à mudança. Parte da população da cidade reclamou quando a prefeitura passou a ampliar os corredores de uso exclusivo para ônibus, já que tal medida atrapalhou o fluxo dos veículos de passeio. Mas o que vimos depois de algumas semanas de mudança foi a redução dos deslocamentos para a maioria da população.

Atualmente a cidade passa por um momento parecido. A prefeitura está ampliando as faixas exclusivas para uso de bicicletas na cidade, o que novamente está diminuindo o espaço total disponibilizado para carros de passeio. Muitas pessoas estão reclamando porque perderam vagas habituais para estacionar seus veículos e também porque há menos espaço para os carros circularem.

São Paulo está em terapia! As reclamações que temos visto quanto à ampliação das vias para bicicletas são produzidas por esta nossa tendência de resistir à mudança, já que ela nos tira de nossa zona de conforto. É o psiquismo coletivo reproduzindo o psiquismo individual. Teremos de lidar com novos desafios para circular na cidade. Como acontece com pacientes em terapia, logo começaremos a entrar em contato com os benefícios das mudanças que estão em curso. Aprenderemos a melhorar a estratégia proposta. Criticaremos a administração pública nos lugares onde a estratégia não funcionar bem logo de cara. A partir dessas críticas, aprenderemos, como coletivo, a melhorar cada vez mais a proposta. Estamos caminhando para uma nova realidade de ar menos poluído e deslocamentos mais rápidos e prazerosos. Lá na frente é provável que digamos para nós mesmos tal qual pacientes em terapia: “Nossa… nós deveríamos ter feito isso muito antes. Se nós soubéssemos que era tão fácil e que tornaria nossa vida tão melhor, nós não deveríamos ter sofrido dentro dos automóveis por tanto tempo.”

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