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Ator Thiago Amaral revela recente tragédia pessoal e reinventa parte do espetáculo ‘Amadores’

O ator Thiago Amaral, de 33 anos, transforma a dor de uma tragédia em arte. Na noite de 15 de maio, ele e alguns amigos jogavam conversa fora em um bar da esquina das ruas Cardeal Arcoverde e Belmiro Braga, em Pinheiros, quando um carro desgovernado avançou na direção deles. Anariá Recchia, de 32 anos, […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 11h43 - Publicado em 26 Maio 2016, 17h49
Thiago Amaral em cena de "Amadores": cadeira de rodas incorporada ao espetáculo

Thiago Amaral em Amadores: cadeira de rodas incorporada ao espetáculo (Fotos: Ligia Jardim)

O ator Thiago Amaral, de 33 anos, transforma a dor de uma tragédia em arte. Na noite de 15 de maio, ele e alguns amigos jogavam conversa fora em um bar da esquina das ruas Cardeal Arcoverde e Belmiro Braga, em Pinheiros, quando um carro desgovernado avançou na direção deles. Anariá Recchia, de 32 anos, morreu, e Thiago, que luxou a perna e está temporariamente em uma cadeira de rodas, levanta forças para enfrentar essa dor no espetáculo Amadores, em cartaz até esse domingo (29) no Teatro Anchieta do Sesc Consolação. A entrevista se transformou em um desabafo e rendeu esse longo, mas tocante e necessário depoimento.

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“Era domingo, 15 de maio. Depois do espetáculo Amadores, do qual faço parte, marquei uma saída com os meus amigos Anariá, de 32 anos, Sávio, de 33, e Maria, de 34. Combinamos de jantar juntos, falar um pouco do meu trabalho e colocar os assuntos em dia, como a gente costumava fazer muitas vezes. Anariá e Sávio são casados há mais de um ano. Tanto ela quanto Maria são minhas amigas, parceiras desde 2004. Nessa época, nós integramos um projeto em conjunto da USP, PUC e Mackenzie de ensino da língua portuguesa no Timor Leste batizado de ‘Universidades no Timor Leste’.”

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“No caminho, decidimos ir a um bar na esquina da casa de Anariá e Sávio, e minha amiga falou da cena da dança que apresentamos em AmadoresAnariá comentou que esse ‘pandemônio’ realizado em cena, ela já tinha visto acontecer no nosso projeto, em 2004. Desde lá, eu busco na linguagem da dança minha forma de expressão, de protestar, de curar, de comunicar e de trocar com os outros. Falamos muito sobre isso e ninguém imaginaria que aquela seria a nossa última vez.”

“Sentados em uma mesa, na calçada, veio à tona o passado, o presente e o futuro, além dessa urgência toda da vida. Formada em ciências sociais, Anariá desenvolvia suas ideias como uma aula. Era lindo vê-la expondo seu raciocínio libertário, de busca da igualdade, dos direitos humanos e de justiça. Falamos em fazer o que se gosta, do amor pela profissão, do amor no casamento, sobre o projeto de ter filhos e tantas outras coisas que amigos costumam falar quando estão felizes.”

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“Maria, que estava sentada ao lado de Anariá, teve que ir embora. Já marcamos, porém, um encontro de todos na Performance de Dança Cosmic Play, que eu realizaria durante a Virada Cultural, na semana seguinte.”

“Eu peguei o celular na mão para chamar um Uber. De repente, um carro desgovernado entrou pela calçada, entre o orelhão e a parede do bar, e atingiu Anariá pelas costas, que voou para cima de mim e juntos fomos arremessados para dentro do recinto. O carro parou porque encontrou a parede e amassou minha mochila pendurada na cadeira.”

“Entre cacos de vidro, sangue, pedaços de madeira com prego – da mesa e cadeiras destruídas – eu consegui ficar ali com minha amiga por uma eternidade. Sávio fora arremessado para o outro lado, próximo à guia. Na verdade, foram uns treze minutos até a chegada dos bombeiros, mas pareceu realmente uma eternidade.”

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“Aqui, eu faço uma edição do que se passou nesse intervalo de tempo. Mas, os dados hiper-realistas alterados pela carga de adrenalina que meu corpo sofreu me fizeram ter uma dimensão surreal daquilo tudo. A vida e a morte em um relâmpago. Um acidente numa velocidade que consegui resgatar apenas alguns frames. Infelizmente, Anariá morreu. Eu e Sávio sobrevivemos a esse nocaute.”

“Permaneci em silêncio por um tempo. Por coincidência, os três dias seguintes também foram sem energia elétrica na minha casa. Fiquei à luz de velas, de repouso – até porque não consigo colocar o pé esquerdo no chão até agora – e, do meu jeito, pratiquei um ritual de morte de nós três que passamos por esse acidente. De algum modo, eu morri também e renasci.”

“A sensação é que estou estilhaçado e tenho que buscar uma integridade novamente. É hora de tecer essas dramaturgias que nos fazem acreditar na vida, que nos fazem ter força e nos fazem dar uma explicação e sentido a tudo que acontece. Na quinta seguinte, dia 19, nossa companhia, a Hiato, se encontraria novamente no teatro para a apresentação de Amadores. Foi solicitada uma cadeira de rodas para me auxiliar na locomoção durante o espetáculo. Fizemos um ensaio para entender essa dinâmica. Foi muito difícil para eu aceitar essa condição na cena em que o coro dos homens realiza uma dança. Eu interrompi com um choro incontrolável. Todos os cacos de dramaturgia do acidente vieram a minha cabeça. ‘E se realmente eu tivesse ficado assim?’, pensei. ‘E se nós não tivéssemos sentados naquela calçada?’, veio logo em seguida. ‘E se ela tivesse sobrevivido?’, imaginei de novo. Todos a minha volta me deram suporte e conforto. Eu me senti numa encruzilhada. Poderia desistir naquela hora ou aproveitar essa oportunidade para superar tudo isso.”

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“Um dos temas da peça Amadores é a superação. E também uma das características da linguagem do nosso trabalho. A matéria-prima dramatúrgica é a nossa vida. Portanto, resolvi lutar. Resolvi dançar como denúncia do que me aconteceu. Meu professor de interpretação dos tempos da USP Antonio Januzelli, o Janô, me ligou para saber do acidente e comentou a cena da dança, que Anariá se referiu como um ‘pandemônio’: ‘Lembre-se do Kazuo Ohno dançando na cadeira de rodas. A dança dele era com os braços e com a voz. A dança butô nada mais é do que um cadáver ereto arriscando a própria vida’.”

“Ganhei forças e resolvi usar o poder transformador e curativo que o teatro tem para transpor esse acontecimento da minha vida para o palco como um ‘ato psicomágico’, conceito criado por Alejandro Jodorowsky, que adotei como filosofia da minha arte e da minha vida. Nossa peça ‘Amadores’ tem um caráter discursivo e estamos observando nos relatos confessionais das dezenove pessoas presentes em cena. Está ali a força desse ato poético ao se comunicar com o público. Ao fazer essa confissão, criamos uma relação e acredito que esse é um dos aspectos primordiais do teatro: criar relação. E isso nos faz nos sentir vivos. E hoje em dia estamos carentes disso.”

“Ainda não sei por quanto tempo terei que fazer a cena de cadeira de rodas. Ainda não sei dizer ao certo o quanto esse acidente atravessou a minha vida e mudou meu olhar sobre ela. Ainda não sei dizer o quanto isso afetou a cena, a narrativa, a leitura do público sobre a peça. Só sei que estou em marcha lenta observando, respirando, vivendo. E tenho me conformado que a vida é urgente. A vida é agora. A vida é para ser vivida com amor. Também criei coragem para fazer essa confissão por escrito, por aqui, porque é difícil aceitar que a irresponsabilidade pela vida de alguém que dirigia bêbado e não tinha carteira de motorista tenha causado essa tragédia. Eu quis falar isso porque não me conformo pelo ocorrido.”

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“E, para terminar, eu queria citar essa música da Nina Simone, que tem me dado essa dimensão, de sermos um, nenhum ou cem mil e falei disso com Anariá”.

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