Umberto Magnani por Elias Andreato: “Meu caipira adorável”
Minha alma caipira, como a Ci, personagem do livro “Macunaíma”, agora virou estrelinha e vive lá no céu. Agora, ele é liberto, passeando todo enfeitado de luz, virado numa verdadeira estrela. Falo assim do grande ator Umberto Magnani porque sempre o admirei e o conheci bem. Umberto foi meu pai no espetáculo “Lua de Cetim”, […]
Minha alma caipira, como a Ci, personagem do livro “Macunaíma”, agora virou estrelinha e vive lá no céu. Agora, ele é liberto, passeando todo enfeitado de luz, virado numa verdadeira estrela. Falo assim do grande ator Umberto Magnani porque sempre o admirei e o conheci bem. Umberto foi meu pai no espetáculo “Lua de Cetim”, escrito por Alcides Nogueira e dirigido por Marcio Aurelio em 1981, lá ainda no começo da minha carreira de ator. Denise Del Vecchio fazia minha mãe. Cada vez que pisava no palco, eu via o meu pai do teatro tão semelhante ao meu pai da vida real, o Zé Vicente. Eram os mesmos olhos azuis, a mesma alma delicada e poética, a mesma humanidade. Aquilo me emocionava a cada noite, mais que qualquer coisa.
Graças ao trabalho de Umberto naquela peça, eu aprendi a ver a fragilidade do meu pai real e a entender toda a dificuldade da minha infância na convivência com um pai alcoólatra. Sim, os dois bebiam, o pai da peça e o da vida. Através da construção de Umberto para o personagem, eu pude amar e odiar meu pai no sentido mais profundo que a psicanálise pode me levar e transformar em arte a minha dor.
+ Umberto Magnani morre aos 75 anos.
Durante os anos seguintes, o Umberto estava lá em outros palcos e telas, nos encontrávamos por aí e o afeto sempre vivo. O tempo passou, mais de três décadas, na verdade, e eu reencontrei Umberto no espetáculo “Elza e Fred – O Amor Não Tem Idade”, em 2014. Eu pude dirigi-lo e retribuir o seu talento e a sua bondade. Ele sempre me trazia uma garrafa de mel de Santa Cruz do Rio Pardo de presente. Como se o presente não fosse ele.
Meu caipira adorável, quanta delicadeza e doçura sempre estiveram presentes no seu coração. Quero guardar o amor e o delicioso humor que sempre nos contagiou… Vou ficar muito triste, mas, quando a dor for insuportável, eu vou lamber um pouco de mel de laranjeira para lembrar o sabiá cantando feliz no sertão da minha terra.
+ Elias Andreato, 61 anos, é ator e diretor.
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