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Indicações do que assistir no teatro (musicais, comédia, dança, etc.) por Laura Pereira Lima (laura.lima@abril.com.br)
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A dramaturga Leilah Assumpção recria na peça “Dias de Felicidade” uma experiência dolorosa: “a arte me salvou”

Aos 72 anos, Leilah Assumpção estreia no Teatro Itália a comédia dramática “Dias de Felicidade” com um sabor de reinvenção. Depois de sete anos sem lançar um texto, a dramaturga paulista buscou inspiração em uma dolorosa experiência, uma infecção que transfigurou seu rosto, para contar a história de um casal (interpretado por Lavínia Pannunzio e […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 15h50 - Publicado em 25 jun 2015, 13h41
Leilah Assumpção: autora estreia "Dias de Felicidade" no Teatro Itália (Foto: Vânia Toledo)

Leilah Assumpção: autora estreia “Dias de Felicidade” no Teatro Itália

Aos 72 anos, Leilah Assumpção estreia no Teatro Itália a comédia dramática “Dias de Felicidade” com um sabor de reinvenção. Depois de sete anos sem lançar um texto, a dramaturga paulista buscou inspiração em uma dolorosa experiência, uma infecção que transfigurou seu rosto, para contar a história de um casal (interpretado por Lavínia Pannunzio e Walter Breda) que se refaz depois de uma quase tragédia. A autora dos sucessos “Fala Baixo, Senão Eu Grito”, “Roda Cor de Roda” e “Intimidade Indecente” teve uma sincera e surpreendente conversa por telefone com este que vos escreve. Alô, Leilah…

O que levou você a voltar a escrever?

Depois de assistir à montagem de “Véspera”, renasceu minha paixão pelo teatro. Graças ao trabalho da minha filha (a também dramaturga Camila Appel), eu acreditei de novo na magia da arte, no teatro como uma igreja. Depois do acidente, eu me fechei muito para o mundo. Foi difícil demais conseguir voltar a olhar a vida de um ângulo diferente. Eu sempre fui uma mulher bonita e, quando me vejo no espelho, percebo que não sou mais. Gostaria de ter ficado uma velha pelo menos bonitinha. Não deu.

+ Leia entrevista com a dramaturga Camila Apple.

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Que acidente foi esse que você fala?

Pela forma como falo até parece um acidente de carro, não? Eu tive uma infecção que transfigurou completamente o meu rosto. Quase fiquei cega, precisei colocar titânio. Depois ainda enfrentei uma infecção de herpes no cérebro. Fiz uma cirurgia que durou mais de 10 horas, tomei morfina como anestesia e estou aqui.

Foi muito dolorido transformar essa vivência em peça de teatro?

Voltei a escrever para fazer uma catarse. Descobri que poderia ajudar as pessoas com esse texto. Eu consegui me separar plenamente. Quando a personagem vai para o palco, não é mais a gente. Fica mais fácil. Como recurso de dramaturgia, seria muito difícil eu inserir essa infecção na história, então optei por um acidente de carro. Via a dor lentamente curada pela minha arte. Acredito que muitas mulheres vão se identificar com esse tema. A arte me salvou. Existem tantos casos de pessoas que enfrentam esse mal por causa de plásticas malfeitas, não? Na história, tem um casal que se reaproxima depois do acidente. Na minha vida, eu também tenho um companheiro há muito anos e vivemos em uma relação de sanfona, indo e voltando… Mas aquele casal da peça é outro, não tem nada a ver conosco.

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+ Claudia Raia ensaia “Raia 30 Anos”.

Você acompanhou os ensaios?

Não sou autora de me meter no trabalho do diretor. Eu entreguei o texto na mão de Regina Galdino, que considero umas das melhores da atualidade, fiz minhas rubricas e a deixei em paz. Vi dois ensaios apenas, um lá no início e, agora, na reta final. No primeiro dia, eu fui lá, conversamos um pouco, fiz alguns cortes. Depois, retornei e saí da sala plena de felicidade. Meus demônios se tranquilizaram, eu realmente reencontrei a paz. Não fiz uma dramaturgia convencional. Coloquei um foco, um GPS como costumo dizer, para discutir a dor e a beleza. Quando terminei, eu percebi que tinha escrito uma história de amor. De nada adianta o meu GPS. O que funciona é o GPS da arte.

Por que são poucas dramaturgas no Brasil?

Dramaturgas são poucas no mundo. Aqui temos algumas muito boas. Maria Adelaide Amaral, Consuelo de Castro, Marta Góes, tenho diálogo com todas elas. Mas poderíamos ter mais. O grande acontecimento da segunda metade do século passado foi a tomada de consciência da mulher. E acho que isso ainda não chegou aos palcos. Não entendo muito bem o motivo. No mundo dos executivos, as mulheres já ocuparam o seu espaço. Na dramaturgia, percebo que ainda não.

+ Cia. Hiato volta com o espetáculo “O Jardim”.

É mais difícil para uma mulher escrever?

Pelo contrário. É mais fácil para uma mulher se dedicar à dramaturgia. Justamente por essa tomada de consciência da segunda metade do século passado. Já existe a mulher dos novos tempos, um modelo que se desenvolveu e toma partido na sociedade atual. Então, graças ao autoconhecimento, temos mais facilidade de passar essa ideia para o papel. A minha peça anterior, “Ilustríssimo Filho da Mãe”, trata justamente do homem novo e foi um fracasso. Talvez por isso mesmo. Esse perfil de homem novo não existe ainda e não conseguimos retratá-lo. Ali, nada deu muito certo. Deixei o diretor livre demais. Em um momento, a personagem falava “trepar” e aquilo ficou tão duro no palco. O texto foi montado logo depois na Alemanha e eu coloquei uma rubrica ao lado de “trepar”, sugerindo que a personagem usasse um tom meigo. E deu certo, funcionou. Talvez a Alemanha também esteja mais evoluída que o Brasil nessa questão do novo perfil do homem. Quem sabe, os alemães têm uma compreensão mais avançada?

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+ Leia perfil de Jarbas Homem de Mello.

A religião esteve presente de alguma forma na sua superação?

Eu falo em teatro como igreja, mas sou agnóstica. É igreja em um sentido amplo. Sempre achei que a gente morria e acabava. Hoje, eu acho que existe uma consciência que se amplia. É como se fosse aquela janela aberta, sabe? Você enxerga o jardim, a rua, o bairro, talvez um pouco da cidade. Não sei se isso faz sentido, mas talvez eu pense que, no dia em que eu me for, as minhas personagens vão continuar por aí. Alguém pode ler minhas peças e reinterpretá-las.

Você teve peças censuradas e viu de perto a repressão. Como enxerga esse momento de conservadorismo que nos ronda?

Acho muito preocupante esse fantasma. Os artistas têm intuição, funcionam como um sismógrafo, aquele aparelho que registra terremotos, e estamos pressentindo problemas para breve. A minha geração, que passou por uma ditadura, não consegue se livrar desse sentimento de medo com facilidade. Eu escrevo livre como uma criança, sem me preocupar com nada. Mas, dia desses, eu tive um sentimento estranho e cheguei a perguntar para a produtora quando faríamos a tal sessão especial para os censores, como era comum antigamente. No auge da repressão, fui viver em Londres, passei dois anos por lá. Acredita que eu andava nas ruas com medo? Via um grupo de policiais e me apavorava. E Londres vivendo a contracultura a mil, com liberdade criativa, sexual, as drogas não eram um problema.

 + Leia entrevista com a atriz Lavínia Pannunzio.

Walter Breda e Lavínia Pannunzio em "Dias de Felicidade": cartaz do Teatro Itáilia

Walter Breda e Lavínia Pannunzio em “Dias de Felicidade”: retomada de um casal (Fotos: Vânia Toledo)

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