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Indicações do que assistir no teatro (musicais, comédia, dança, etc.) por Laura Pereira Lima (laura.lima@abril.com.br)
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Protagonista de “Marica”, Washington Luiz fala de Lorca e preconceito: “a homossexualidade representa a liberdade”

O ator paulista Washington Luiz passou mais de uma década na Espanha. Por lá, estudou gastronomia, trabalhou como chef de cozinha e intensificou a admiração pelo poeta e dramaturgo Federico García Lorca (1898-1936). É justamente sobre o autor de “A Casa de Bernarda Alba” e “Bodas de Sangue” o espetáculo que marcou a volta de […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 18h35 - Publicado em 19 fev 2015, 13h53
Washington Luiz: "Marica" volta ao cartaz no Teatro Leopoldo Fróes, em Santo Amaro

Washington Luiz: “Marica” volta ao cartaz no Teatro Leopoldo Fróes, em Santo Amaro

O ator paulista Washington Luiz passou mais de uma década na Espanha. Por lá, estudou gastronomia, trabalhou como chef de cozinha e intensificou a admiração pelo poeta e dramaturgo Federico García Lorca (1898-1936). É justamente sobre o autor de “A Casa de Bernarda Alba” e “Bodas de Sangue” o espetáculo que marcou a volta de Washington Luiz aos palcos brasileiros no final do ano passado. Escrito por Pepe Cibrián Campoy e dirigido por Marcio Aurelio, o monólogo “Marica” mostra os últimos instantes de vida de Lorca, pouco antes de seu fuzilamento. O motivo? A força de seu discurso político e a sua orientação sexual. “Marica” retorna no Teatro Leopoldo Fróes, nas sextas e sábados, às 20h, e aos domingos, às 19h, com ingressos a R$ 10,00. Como resultado do belo trabalho, Washington Luiz é um dos finalistas ao Prêmio Shell de melhor ator, que será divulgado em março.

+ Leia crítica de “Marica”.

Você é o idealizador do projeto, certo?

Tudo começou há cinco anos. Vivia na Espanha e se discutia na imprensa a busca dos restos mortais do Lorca. Até então, eu nem sabia que seu corpo nunca havia sido encontrado. Como o de muitas outras vítimas do fascismo, aliás. Foi o resultado de uma lei, a Ley de Memoria Histórica de España, que deu início a um processo de eliminar as marcas daqueles anos do franquismo, como mudar nomes de ruas em homenagem a personalidades ligadas ao regime. A lei também possibilitou a todos que não puderam enterrar decentemente seus familiares enterrá-los finalmente, com a exumação dos cadáveres. Um dia, li sobre as escavações para encontrar os restos de Lorca. A notícia mexeu muito comigo. Mas não conseguiram achar nem vestígios do seu corpo. E parece que nunca conseguirão… O meu projeto era criar um texto com as próprias palavras de Lorca, utilizando trechos de poemas, peças, entrevistas e ensaios. Nessa fase, contava com a parceria de Alcides Nogueira para construir uma dramaturgia. Porém, li notícias sobre uma peça argentina chamada “Marica”, de Pepe Cibrián Campoy. No dia seguinte, eu já estava com versão integral em minhas mãos, uma joia, como havia pressentido.

Temos em cena o García Lorca, mas poderia ser um homem comum, não?

Como o próprio autor diz, “Marica” é uma homenagem a todos os que, ao longo da historia da humanidade, foram sacrificados por ser diferente. Lorca é um deles. Poderia ser qualquer outro, qualquer um de nós. O homem custa a se adequar às novas visões sobre todas as coisas, inclusive, sobre o que é o amor. Isto é o que me toca no texto. Falar sobre esta falha trágica da humanidade, que se repete em modo contínuo através dos tempos, que é eliminar o diferente. Consegui o apoio do Ministério da Cultura, através da Lei de Incentivo Fiscal, porém foi difícil encaixar o projeto ao perfil das empresas. Não havia interesse de nenhuma marca em associar seu nome ao título “Marica”. Assumi que tratava-se de um projeto “underground” e assim ele deveria ser realizado. Às vezes, temos que demonstrar o que queremos provar.

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Indicação ao Prêmio Shell de melhor ator: Washington Luiz no monólogo de Pepe Cibrián Campoy

Indicação ao Prêmio Shell de melhor ator: Washington Luiz no monólogo de Pepe Cibrián Campoy

Quando Marcio Aurelio entrou no projeto e em que momentos a mão poderosa dele foi mais transformadora? 

Desde o princípio do projeto, tinha Marcio Aurelio na lista de possíveis diretores. O convite oficial a ele, no entanto, aconteceu apenas quando o trabalho de dramaturgia se iniciou. Marcio foi o meu grande mestre no curso de formação em Artes Cênicas na Unicamp. Ele conseguiu materializar no palco as contradições que a biografia do Lorca nos revela no texto original com elegância e contundência. Foi lindo o trabalho de conter a emoção que ele me impunha no papel de intérprete para que a verdadeira emoção se revelasse no palco.

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+ Confira a lista de indicados ao Prêmio Shell, que será entregue em março. 

A homossexualidade ainda incomoda muita gente, dos simples mortais nas ruas até gente bem mais poderosa que vemos por aí. Por que a questão ainda provoca tantas reações drásticas e violentas?

A homossexualidade representa a liberdade e, por esse simples fato, ainda incomoda muita gente. O homem não sabe ser livre e talvez nunca saberá. Certo é que aqueles que amam pessoas do mesmo sexo, hoje em dia, podem sentir-se mais livres que Lorca e seus contemporâneos no início do século XX. Vejo dois pontos da aceitação difícil. A primeira é, sem dúvida, religiosa. O compromisso com a procriação que a Bíblia nos impõe nunca foi reavaliado. Sexo pode ser simplesmente amor e não perpetuação da espécie. A segunda é o desconhecimento do próprio “eu” que aflige a tanta gente. Muitos não aceitam a homossexualidade porque não querem discutir os próprios instintos. Um heterossexual bem resolvido não tem preconceito algum com a homossexualidade.

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+ Leia entrevista com o diretor e dramaturgo Elzemann Neves. 

Notou o incômodo de algum espectador durante as apresentações?

A homossexualidade de Lorca em “Marica” não incomoda o espectador. Ouço comentários positivos e surpreendentes em relação a esta faceta da biografia de Lorca. E, quase unanimemente, não é sobre esse ponto que as pessoas vêm conversar comigo, emocionadas, ao final do espetáculo. O texto de Cibrián Campoy tem uma beleza e uma carga de humanidade tão grandes que o público se detém mais ao tolhimento da liberdade sofrido pelo poeta ainda em vida que dos seus amores. Há um golpe de gênio no texto ao subverter o sentido da palavra “marica”. “Marica” é muito mais que um rótulo pejorativo. “Marica” pode ser tudo o que é covarde ou pode ser tudo o que mais nos possa maravilhar.

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+ Elias Andreato fala de “A Graça do Fim” e de sua relação com Fauzi Arap.

Vocês fizeram duas temporadas no ano passado, e o público foi pequeno. A indicação ao Prêmio Shell pode levar uma plateia maior ao teatro?

No ano passado, nós fizemos duas temporadas de um mês cada. A estreia foi na Sala Paschoal Carlos Magno, do Teatro Sérgio Cardoso, e, depois, seguimos para o Espaço dos Fofos. O espetáculo ainda não consegue manter-se apenas com a bilheteria, apesar do reconhecimento da crítica e do público que já nos assistiu. A indicação ao Shell foi recebida com uma imensa alegria por parte de todos nós, artistas envolvidos. Vemos a possibilidade de premiação como um coroamento a todo o trabalho que desenvolvemos até agora. Com certeza, com um Prêmio Shell no currículo, muitas portas se abrirão para “Marica”. Pelo resultado artístico da montagem, pela figura que Lorca representa para o teatro mundial, pela grandeza do texto que é levado à cena, pelo tema atualíssimo de preconceito e exclusão social, o espetáculo merece ser visto por muitas e muitas pessoas mais. Assim seja.

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Washington Luiz: os últimos momentos de vida do poeta García Lorca

Washington Luiz: os últimos momentos de vida do poeta García Lorca (Fotos: Laércio Luz)

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