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Indicações do que assistir no teatro (musicais, comédia, dança, etc.) por Laura Pereira Lima (laura.lima@abril.com.br)
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Em cartaz com “Vidas Privadas”, a atriz Lavínia Pannunzio fala sobre o teatro em sua vida: “se é para enlouquecer, que seja da melhor maneira”

Radicada em São Paulo há duas décadas, a mineira Lavínia Pannunzio, de 48 anos, contraria o estereótipo atribuído aos seus conterrâneos. Ela fala muito, de forma direta e sem formalidades. É uma artista que passa longe dos clichês, apresentando um repertório diversificado e sempre desafiador. Em cartaz no Teatro Jaraguá, Lavínia surpreende a quem a […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 21h52 - Publicado em 30 Maio 2014, 09h56
Lavínia Pannunzio no camarim de "Vidas Privadas"; (Foto: Fernando Salles)

Lavínia no camarim de “Vidas Privadas”: pesadelos ao imaginar que não vibraria na plenitude da personagem (Foto: Fernando Salles)

Radicada em São Paulo há duas décadas, a mineira Lavínia Pannunzio, de 48 anos, contraria o estereótipo atribuído aos seus conterrâneos. Ela fala muito, de forma direta e sem formalidades. É uma artista que passa longe dos clichês, apresentando um repertório diversificado e sempre desafiador. Em cartaz no Teatro Jaraguá, Lavínia surpreende a quem a associa aos papéis densos, tensos e intensos com a comédia “Vidas Privadas”, do inglês Noel Coward. Quer dizer… A libertária Amanda Pryne é também tudo isso, só que muito divertida. Sob a direção de José Possi Neto, o espetáculo ainda tem no elenco José Roberto Jardim, Daniel Alvim e Maria Helena Chira. E vamos deixar de blá, blá, blá…

Com “Vidas Privadas”, você encontra um tipo de teatro mais comercial, de inegável qualidade e que existe em qualquer lugar do mundo onde há pluralidade artística. No entanto, esse tipo de teatro é um tanto desprezado por muitos atores paulistanos. Você concorda com isso?

Sim, eu concordo com tudo isso e nós sabemos que há um preconceito, um desprezo, como você falou, não só de atores, mas de grande parte das pessoas que fazem e pensam o teatro em São Paulo. O que é uma coisa horrorosa porque o preconceito deveria ser banido do nosso vocabulário. Porque ele é fruto da mais pura ignorância e a matéria com que a gente lida no teatro é abrangente demais. O teatro é um espaço democrático, e a pluralidade nos salva de qualquer hipótese medíocre de olhar, pensar e viver a vida.

Como é transitar por qualquer tipo de plateia?

É a melhor coisa que eu poderia desejar como atriz.

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Existe um desafio maior em um espetáculo “comercial”, já que provavelmente você vai dialogar com um público mais abrangente?

Essa qualificação de “teatro comercial” tem distorções equivocadas. Todas as vezes em que eu tive a oportunidade de me apresentar para plateias cheias foi maravilhoso, a menos que eu pretendesse fazer um espetáculo em espaços pequenos, que atenderiam ao propósito do trabalho em questão.

Amanda é uma personagem de época e tão libertária. Isso é fascinante, não? 

A Amanda é o máximo! É livre, fascinante, engraçada, patética, falível. “Ela é trágica. O destino dela é bagunçar tudo”. Foi muito desafiador fazê-la porque eu não gostaria de jeito nenhum de atrapalhar o carisma que ela tem. Tive pesadelo só de imaginar não conseguir vibrar na plenitude dela, fazer por menos, ficar aquém, não estar aberta, não estar presente o bastante para permitir que a inteligência, a graça, o humor e o trágico aparecessem. Mas acho que essa é a chave. Estar aberta e atenta. Estar ali.

Como foi encontrar José Possi Neto, que já dirigiu as maiores feras do teatro brasileiro?

O José Possi Neto é a única coisa que podia ter me acontecido nesse momento. É um homem amoroso na vida, então a atmosfera criada para esse trabalho promove uma força violenta em todos nós que estamos ali. O mérito de transformar esse papo de teatro comercial e blá, blá, blá que tem sido produzido desde que estamos divulgando o espetáculo em uma obra a ser usufruída em sua excelência é todinho dele. Todo o blá, blá, blá preconceituoso foi por terra porque Possi permitiu a fruição dessa via teatral que a peça é. Ele abriu o olhar profundamente para esse texto e para o encontro com as pessoas todas que agregou para isso acontecer. 

+Leia entrevista com o diretor José Possi Neto.

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Ano passado, você venceu o Shell de melhor atriz pelo espetáculo “Um Verão Familiar”. O que um prêmio importante muda na trajetória de uma atriz já reconhecida? É vitrine ou serve mais para alimentar a vaidade?

Visibilidade é das coisas que a gente quer, não? A gente trabalha para que a obra tenha visibilidade. Quando alguém responde afirmativamente para tudo isso, é muito bacana. Mas o prêmio não está nas esferas do nosso domínio. Não contempla nem a quase totalidade do que se tem por aí. Na proporção em que a gente trabalha, seriam precisos muitas mais premiações e maiores valores de prêmios do que o que a gente tem hoje. Imagine prêmios para a crítica, por exemplo? Você acha que haveria mais engajamento? Mais envolvimento? Mais paixão? Isso seria um exercício e tanto, hein…

José Roberto Jardim e Lavínia em "Vidas Privadas": um casal libertário e sem pudores (Foto: Marco Lima)

José Roberto Jardim e Lavínia em “Vidas Privadas”: sem pudores (Foto: Marco Lima)

Como o teatro entrou na sua vida? Existia já uma raiz familiar ou você precisou de uma revolução dentro da sua casa para trabalhar como atriz?

Acho que tiveram uns medos familiares sim, da liberdade, da dureza da vida de artista, mas minha família sempre foi muito parceira minha. A minha avó Joaninha, que passou parte de sua vida em um colégio interno, encenava com a gente, suas netas, dramas musicais românticos. Éramos bem crianças e fazíamos cenas de amor, vingança, morte por envenenamento, tudo contracenando com ela. Era incrível! Eu diria que Dona Joaninha me iniciou nas artes do palco. Depois disso, aos 14 anos, ainda em Uberlândia, eu comecei a fazer teatro. Uma peça por ano, uma única apresentação. Até que eu entrei para a Unicamp em 1985. De lá para cá foi um pulo, um casamento, dois filhos e a mudança definitiva para São Paulo em 1993.

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Tem dois filhos? Achei que fosse um…

Eu tenho dois, um com quase 24 anos e o outro com 22. Nenhum deles escolheu, pelo menos ainda não, trabalhar com teatro, o que eu adoraria. Mas os dois são caras com muito estilo, vivem suas vidas com arte, o que pra mim significa que sabem viver. Uma coisa que poucos sabem fazer.

Você é uma atriz que comumente muda de cara para interpretar uma personagem. Fica loira, morena, corta o cabelo, emagrece, fica mais ou menos sensual… Essa transformação física é fundamental para alcançar a psicologia do personagem? 

Não acredito em psicologia de personagem. Acredito em linguagem. Em figuras que orbitam em espaços, nas suas formas. Eu acredito na sonoridade das palavras proferidas, na presença e inteligência dos atores em cena. Na construção dessas identidades. Então eu deixo meu corpo e meu organismo à disposição de tudo isso.

É muito raro você estar fora do palco. É um desejo de estar sempre em contato com a arte ou é mesmo uma necessidade de trabalhar, a sua forma de ganhar a vida e não ficar sentada esperando a chegada de um papel dos sonhos?

É tudo isso junto e misturado.  Eu vivo do meu trabalho, portanto não dá para ficar sem fazer nada. Além do mais, se eu não me conectar com o pensamento e com a vida de forma criativa, eu piro. Felizmente, eu já entendi que o teatro me permite alçar todos os voos. Se é para enlouquecer, que seja da melhor maneira.

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Bastidores: Lavínia com o diretor José Possi Neto e o figurinista Fábio Namatame (Foto: Divulgação)

Lavínia com o diretor José Possi Neto e o figurinista Fábio Namatame: transformação de época em “Vidas Privadas”  (Foto: Divulgação)

Seguindo na mesma história, você acredita que exista o papel dos sonhos ou o ator pode transformar os personagens e fazê-los bem?

Acho que tem papel dos sonhos, mas a ideia de desvendar as poéticas é muito excitante.

E vamos lá… Quais seriam seus personagens dos sonhos? Uma obviedade para muitas atrizes é a Madame Clessi, de “Vestido de Noiva”. Esse já foi no ano passado. Tem outros?

A Martha de “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” é uma personagem dos meus sonhos. Tenho a impressão de que eu venho me preparando para ela em cada trabalho que faço desde “Honey”, que a Fernanda D’Umbra dirigiu maravilhosamente bem em 2009. Mas eu tenho vontade de conhecer por dentro vários autores e diretores, a tal ponto que acho que minha existência não vai dar conta. A Madame Clessi, por exemplo, se não fosse o Eric Lenate dirigindo, eu não sei quando teria tido a oportunidade de conhecer. Foi com ele e através da sensibilidade e da inteligência dele, no ambiente que ele criou pra nós, que eu pude conhecer e fazer revelar aquela Clessizinha brazuca e humana da nossa montagem.

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Você é uma atriz – e também diretora – que defende muito os seus espetáculos. Lembro de algumas conversas que já tivemos sobre críticas publicadas por mim ou outros jornalistas. Até que ponto nessa e em outras defesas está a profissional apaixonada ou a profissional crítica? 

As coisas não se separam. Eu sou profissional, sou apaixonada e meu pensamento não para. “Covil da Beleza”, do Eduardo Ruiz, por exemplo, é um texto fabuloso que dirigi. Reflete crítica e poeticamente o tempo em que estamos vivendo. E sofreu, na época, todo tipo de preconceito. Nós montamos o elenco e a equipe ideal para aquela obra. Quem assistiu teve a oportunidade de ver isso. Ele era quase uma instalação do comportamento humano, elaborado por cada um de nós que estivemos envolvidos com o trabalho. E o espetáculo foi privado de ser visto e fruído como obra por causa de críticas negativas. Vejo muitas opiniões, opiniões muito pessoais. Não serve ao diálogo com uma obra. Eu espero que cada obra posta em cena, desbunde em muito pensamento, em muita articulação mental e estética. É esse diálogo que eu fantasio que artistas e críticos tenham. Nós estamos todos no mesmo barco.

A diretora foi uma consequência do trabalho da atriz experiente ou veio de uma necessidade de diversificação?

Dirigi teatro pela primeira vez em um momento de vacas bem magras. Eu inventei de transpor para o palco o livro “Era Uma Vez um Rio”, de minha mãe, Martha Pannunzio, talvez para não pirar, para não me desconectar da vida. Porque além de dura, eu tava pirando mesmo naquela época. Então aquela ocupação intelectual e artística me recolocou no meu lugar criativo, de onde eu sei que não posso sair, para o bem da minha vitalidade. No processo da transposição do livro, eu planejei um espetáculo que me deu enorme vontade de realizar. Eu me inscrevi em editais e leis de incentivo, e o projeto foi aprovado. Primeiro em Uberlândia, onde fizemos um trabalho bárbaro para mais de 100 000 estudantes, e, depois aqui, numa outra versão, mais punk do mesmo livro. A realidade da relação com os rios em São Paulo é assustadora. O tratamento para obra deveria ser mais contundente. Foi aí que eu entendi que estava diversificando no teatro. Eu posso olhar para cada obra, em conexão com os autores que escolho dirigir. Acredito que, pelo fato de ser atriz, me interessa muito instaurar atmosferas para que os atores – e os criadores que trabalham comigo – mergulhem profundamente no universo que estamos conhecendo e tridimensionando.

Em 2009: Lavínia Pannunzio e Fernanda Gama na peça "Honey", de Shelagh Delaney, dirigida por Fernanda D'Umbra (Foto: Edson Kumasaka).

Em 2009: Lavínia Pannunzio e Fernanda Gama na peça “Honey”, dirigida por Fernanda D’Umbra (Foto: Edson Kumasaka).

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