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Indicações do que assistir no teatro (musicais, comédia, dança, etc.) por Laura Pereira Lima (laura.lima@abril.com.br)
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Mestre do teatro, Naum Alves de Souza volta à cena com a comédia “Operação Trem-Bala”

Dramaturgo, diretor, cenógrafo, figurinista… Naum Alves de Souza, de 71 anos, construiu uma bela e múltipla história no teatro brasileiro. Paulista de Pirajuí, o artista volta à cena como autor e diretor da comédia Operação Trem-Bala, que estreia em 2 de agosto no Instituto Cultural Capobianco, ali pertinho do Anhangabaú. Em cena, a história de […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 27 fev 2017, 00h47 - Publicado em 26 jul 2013, 13h35

Naum Alves de Souza: quatro décadas de teatro com “Operação Trem-Bala” (Foto: Sérgio Keuchgerian)

Dramaturgo, diretor, cenógrafo, figurinista… Naum Alves de Souza, de 71 anos, construiu uma bela e múltipla história no teatro brasileiro. Paulista de Pirajuí, o artista volta à cena como autor e diretor da comédia Operação Trem-Bala, que estreia em 2 de agosto no Instituto Cultural Capobianco, ali pertinho do Anhangabaú. Em cena, a história de uma família confrontada com a velhice do patriarca e precisando dar um jeito nisso imediatamente. Os atores Marco Antônio Pâmio, Ana Andreatta, Fábio Espósito e Mila Ribeiro estão no elenco e, em meio aos ensaios, Naum conversou comigo sobre essa e muitas outras boas histórias.

Por que tanto tempo longe da dramaturgia?

Depois que escrevi Aquele Ano das Marmitas, em 2002, fiquei praticamente só dirigindo. Afinal, eu também preciso ganhar algum dinheiro. Passei por experiências maravilhosas, como encenar Longa Jornada de um Dia Noite Adentro, com Cleyde Yáconis e Sergio Britto. Ainda remontei peças antigas minhas e prometo que jamais faço isso novamente. O resultado nunca se aproxima do obtido no passado. Então, veio o impulso de criar algo novo. O Fábio Espósito, a Mila Ribeiro, a Ana Andreatta e o Marco Antônio Pâmio foram meus alunos na EAD. A ideia de abordar algo relativo a um trem-bala veio do Fábio.

O Fábio Espósito sugeriu a trama familiar também ou só essa imagem do trem-bala?

O Fábio achava que a imagem de um trem-bala poderia render algo e fiquei pensando nisso. Tenho um conto inacabado, O Almoço de Ação de Graças. Meus textos sempre passam por muitas e muitas revisões, por isso demoro tanto e, às vezes, até os deixo de lado. Não sou um autor que escreve bem de primeira. Eu trabalho muito em cima do diálogo. Escrevo, reescrevo, reviso. Esse conto mostra como lidar com um poder que não muda de mãos, através de quatro gerações de uma família submetida ao um mesmo tirano. Para a peça também veio essa ideia da expectativa maior de vida que tanto se fala hoje. Chega uma hora em que ninguém consegue mais segurar os velhos em casa. Todo mundo tem atividades, não dá tempo de dedicar uma atenção especial para aquele parente, então fatalmente o caminho é mandá-lo para um asilo.

O tema pode parecer pesado, mas é uma comédia, não?

É uma comédia forte, de caracterização pesada, interpretações caricatas até. Sua Excelência é o personagem do Pâmio, um cara que delirou que construiu o trem-bala. Então a família aproveita desse delírio para conduzi-lo a um asilo como se fosse num trem-bala. As famílias hoje se transformaram. Muitas vezes os filhos não são preparados para a vida, e o pai, mesmo velho, continua sendo o chefe da casa. Logo, os jovens não sabem lidar com os problemas quando essa figura vinculada ao poder passa por dificuldades, começa a ficar doente e perde a independência.

Ensaios de “Operação Trem-Bala”: elenco na leitura de mesa (Fotos: Divulgação)

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O tema da família é recorrente em sua obra. Você leva suas experiências pessoais para o teatro ou é mais uma observação do ambiente?

Eu tenho a minha trilogia familiar, formada por No Natal a Gente Vem te Buscar, Um Beijo, Um Abraço e Um Aperto de Mão e Aquele Ano das Marmitas. Eu venho de uma família normal, de classe média do interior de São Paulo. Nunca tive grandes dramas ou problemas na minha casa. Mas tudo o que vivemos rende inspiração de alguma forma. Eu já passei por cinco tipos de terapia ao longo da minha vida. Sempre tive essa obsessão de entender minhas origens, de explicar minhas raízes e para isso talvez eu tenha usado o teatro.

Essa obsessão em entender o outro o ajuda na hora de dirigir e ver como um ator funciona?

Eu tenho um processo de trabalho mais lento. Eu seguro muito o ator na mesa. Fico muito tempo lendo o texto, descobrindo junto como o ator entende cada diálogo, tentando tirar algo mais dali. Dirigir Cleyde Yáconis em Longa Jornada de um Dia Noite Adentro foi memorável. Ela me trouxe coisas diferentes, resolvia os impasses da personagem de um jeito que é um mistério. E olha que tenho um bom olho para entender como o ator trabalha. Alguns são mais resistentes à orientação do diretor, outros gostam mais de dialogar. Existem os atores que demoram a resolver o personagem e, de uma hora para outra, encontram uma ótima solução. Há os que resolvem na preguiça e pode funcionar. A Cleyde era muito racional, mas de uma intuição incrível. Era uma atriz muito boa de dirigir.

Cleyde Yáconis: memorável em “Longa Jornada de um Dia Noite Adentro” (2003)

O que é um ator bom de dirigir?

Um ator bom e fácil de dirigir é aquele que não impõe resistências. Um profissional disciplinado, que troca informações com o diretor, que traz coisas novas para o personagem. Se eu encontro Nathalia Timberg e Rosamaria Murtinho para montar a peça Sopro de Vida, como fizemos há quatro anos, elas estão ali plenas, muito dedicadas ao projeto. Fernanda Montenegro também é assim. São atrizes fáceis de dirigir.

São exemplos de profissionais formadas há pelos menos cinco décadas. Está mais complicado trabalhar com as novas gerações?

Como fico muito dedicado à leitura do texto com os atores, de um tempo para cá a coisa ficou meio complicada. Os atores de televisão não têm a menor paciência para isso. Eles foram acostumados a outro ritmo. Recebem o texto para gravar amanhã, então precisam resolver logo como vai ser a cena e o personagem. E esse é o jeito deles. Mas não é o meu. A agenda de quem faz televisão também ficou muito mais complicada de uns anos para cá.

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Por que isso acontece?

Existem muitas explicações. As gravações exigem mais tempo deles. Os atores também precisam trabalhar em muitas coisas ao mesmo tempo para ganhar mais dinheiro, para ser bem visto. Além disso, todo mundo quer ser cada vez mais rico e famoso. E, diante desse pensamento, é claro que o teatro sempre vai ficar em segundo plano. Sei de estreias teatrais canceladas porque o ator não conseguiu se livrar a tempo da gravação da novela. Eu acho isso inaceitável. Claro que quando trabalho com atores famosos de outra geração percebo muito essa diferença. Se a Nathalia faz um espetáculo, ela está voltada totalmente para aquele trabalho.

Elis Regina no show “Falso Brilhante” (1975): figurino, cenário e codireção

Você foi cenógrafo e figurinista do show Falso Brilhante. Como foi trabalhar com Myriam Muniz e Elis Regina, duas mulheres de personalidades tão fortes?

A Myriam era um monstro, uma das minhas primeiras referências em São Paulo. Eu cheguei do interior e via as peças do Teatro de Arena. A Myriam sempre ficava na minha cabeça. Tinha um gênio difícil, mas era apaixonante. Os ensaios de Falso Brilhante foram muito tranquilos. A Elis era outro exemplo de pessoa fácil de dirigir. Podia ter muitas complicações na vida pessoal, mas sempre foi extremamente profissional e dócil. Nós nos entendemos muito bem. A briga entre ela e a Myriam, depois da estreia, não teve nada a ver com o gênio delas. Foi por causa de dinheiro mesmo.

O que mais o ajuda como dramaturgo e diretor no fato de ser também cenógrafo e figurinista?

Terminei o colégio e pensei em fazer psicologia. Logo, comecei a trabalhar com artes plásticas e a dar aulas de educação artística. Minha formação profissional foi muito caótica. Eu fazia de tudo e por minha conta. Logo passei a fazer cenário, figurino. Com o tempo, isso foi fundamental como dramaturgo e diretor. Eu tenho uma visão do todo. Quando escrevo uma peça, eu já enxergo os atores em cena, a caracterização de cada um, o cenário ao fundo. Mas hoje não faço mais tudo ao mesmo tempo. Confio em colaboradores próximos, pessoas que entendem a minha estética. Hoje, eu sei pedir alguma coisa a alguém. Demorei muito para entender que isso é importante. Já vi muitos diretores que não conseguem se expressar, que não conseguem dizer o que querem do ator, do cenógrafo, do figurinista. E desse jeito o clima começa a pesar. Se você trabalha na contramão, o ator também não vai conseguir fazer bem o trabalho dele.

Depois do elogiado roteiro do filme Romance da Empregada (1988), você não fez mais cinema. Desistiu ou não apareceram mais oportunidades?

Os diretores brasileiros fazem seus próprios roteiros, não? E estão fazendo bem. Nos anos 70 e 80, era muito diferente. Existem filmes que são muito ruins por causa do roteiro. Os diálogos eram mal escritos, não cabiam na boca dos personagens. Não fazia sentido a pessoa dizer aquilo daquela forma, entende? O Bruno Barreto sonhava com a adaptação de No Natal a Gente Vem te Buscar para o cinema, mas o projeto nunca vingou. Eu tinha um roteiro guardado na gaveta há alguns anos. Fiz e nunca mostrei para ninguém. Então falei para o Bruno sobre Romance da Empregada. Eu criei a história de uma negrona da periferia de São Paulo que ralava muito como doméstica e sonhava em mudar de vida. O Bruno adorou e perguntou se eu permitiria que ele fizesse algumas modificações.

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Que tipo de modificações?

Ele queria ambientar a história no Rio de Janeiro. Por mim, tudo bem. Eu fiquei espantado mesmo quando ele me disse que tinha chamado a Betty Faria para o papel. “Mas a mulher é negra”, eu disse na hora. O Bruno falou que eu não devia me preocupar com isso. E realmente Romance da Empregada é um dos meus orgulhos. Poucas vezes vi uma atriz tão entregue a uma personagem como a Betty naquele filme. O Bruno teve uma visão do todo que eu jamais teria em cinema.

Betty Faria e Brandão Filho: roteiro de “Romance da Empregada” (1988)

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