Denise Fraga, Claudia Mello e a marginalização feminina em “Chorinho”
Em um primeiro momento, fica difícil entender por que as atrizes Claudia Mello e Denise Fraga remontaram a comédia dramática “Chorinho”. Lançado em 2007, com a mesma Claudia e Caio Blat nos papéis principais, o texto escrito por Fauzi Arap teve carreira bem-sucedida e ainda parece fresco na memória do público. Para completar, elas optaram […]
Em um primeiro momento, fica difícil entender por que as atrizes Claudia Mello e Denise Fraga remontaram a comédia dramática “Chorinho”. Lançado em 2007, com a mesma Claudia e Caio Blat nos papéis principais, o texto escrito por Fauzi Arap teve carreira bem-sucedida e ainda parece fresco na memória do público. Para completar, elas optaram pela mesma direção, assinada por Marcos Loureiro e pelo próprio autor, na versão em cartaz nas terças e quartas do Teatro Eva Herz, da Livraria Cultura. Fica no ar uma ideia de acomodação, algo que não combina com a trajetória de Denise, e de certa desconfiança por parte do espectador. Essa suspeita, no entanto, se desfaz em poucos minutos. A trama obviamente é a mesma, mas o fato de ter duas mulheres em cena oferece uma nova e mais rica leitura das personagens.
Claudia dá vida a Clarice, uma solteirona como tantas que vemos por aí. Ranzinza, ela costuma fazer caminhadas por uma praça, conversa com as plantas e dificilmente abre um sorriso. Todo dia, cruza com uma mendiga (papel de Denise), que enrolada em cobertores e abraçada a uma garrafa de cachaça, fez sua casa por ali. A veia preconceituosa da mulher mais abastada vem à tona e ela começa a destratar a outra, como se esta fosse uma invasora do espaço público. Insistente, a sem-teto luta pela atenção de sua detratora, e algumas afinidades não tardam a aparecer.
A dupla brilha ao extrair leveza mesmo diante de temas mais duros, em um texto que promove uma incômoda reflexão — muitas vezes sem a plateia sequer perceber. A inadequação social e familiar da moça a levou para as ruas, e Clarice encontra identificação com seu passado. A direção simples e calcada em poucos elementos centra a força no embate estabelecido entre as personagens. Cada uma explora os diálogos de forma diferente e complementar. Enquanto Denise Fraga investe em certa ironia, Claudia Mello traz à tona um estado de perplexidade crescente no decorrer da peça. O jogo de espelhos é fortalecido justamente por mostrar duas imagens semelhantes. Se, na versão anterior, Claudia e Caio Blat apoiavam-se em uma mensagem voltada para a temática social, agora esse reflexo é construído em cima de figuras femininas excluídas e que, como consequência disso, acabaram à margem. Por esse novo enfoque, sem banalizar a comicidade, a remontagem já se justifica e faz do texto um motivo para duas atrizes jogarem com suas potencialidades.