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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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Terapia infantil: “Conserta meu filho!”

Os pais viraram gerentes do desenvolvimento das crianças, riscando em uma lista o que precisa ser contratado para os filhos. É como “criar” um tamagotchi

Por Redação VEJA São Paulo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 1 mar 2017, 16h25 - Publicado em 1 mar 2017, 16h21

Psicólogos infantis relatam que frequentemente os pais lhes procuram no clima de “conserta pra gente”. A angústia da criança é percebida pelos pais como uma espécie de defeito intrínseco à ela e que, portando, deve ser consertado pelo terapeuta.

Há dois fatores que, combinados, ajudam a entender a razão disso acontecer: a sociedade de consumo e a forma como interpretarmos o papel de um especialista.

Uma sociedade de consumo, como é a nossa, tende a transformar em produto tudo que circula e em consumidores as pessoas que buscam por aquilo que circula. Consumimos tudo… Alimentos, roupas, eletrônicos, veículos, serviços de limpeza, de jardinagem, de decoração, de saúde (!), de educação (!) e tudo mais quanto se queira.

Dessa forma vamos ao hospital mais como consumidores do que como doentes. Os pais vão à escola do filho mais como consumidores do que como pais, como bem ilustra a charge (adaptação) do cartunista francês Emmanuel Chaunu:

charge escola

Esse exemplo da escola como prestadora de serviços ilustra muito bem o que acontece em outras esferas. Porque é justamente de uma situação como essa da charge que se produz a necessidade de procurar por um terapeuta. E os pais carregam da escola para a terapia o mesmo tipo de expectativa muito bem ilustrada pelo cartunista francês.

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Na cena, dois papeis se perderam infelizmente. O mais evidente é o do professor. Destituído de sua figura de mestre, passou a ser mero prestador de serviços de educação. E é cobrado como tal.

O segundo, não tão evidente, é o papel dos pais, que se tornaram como que gerentes do desenvolvimento dos filhos, riscando item por item em uma lista de checagem tudo o que precisa ser contratado para os filhos (pediatra, escola, terapeuta, professor particular, natação, artes marciais, idiomas etc.).

É como “criar” um tamagotchi. Quando ocorre algum problema muitos pais ficam inconformados já que “todos os procedimentos foram seguidos à risca.” Isso nos leva ao segundo fator, que é como encaramos o papel dos especialistas.

A sociedade de consumo impõe uma falsa cientificidade na apresentação dos produtos e serviços com a chancela de especialistas. Os pais acreditam que o especialista (terapeuta, professor, médico) produzirá a solução para o problema da criança porque é tudo comprovado cientificamente. Dois equívocos: a verdade é sempre provisória na ciência e, mais grave, grande parte daquilo que é vendido como ciência não passa de engodo.

Já fui questionado por vários pais de adolescentes na primeira consulta se meu método de trabalho resolve mesmo e quanto tempo levará. É o mesmo tipo de questionamento que médicos e professores recebem. É como se estivéssemos falando do vazamento de óleo do carro da família.

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Quando convido os pais a participarem das sessões e sugiro mudanças também em sua conduta, parte deles começa a se esquivar. Justamente porque a expectativa é a de que o profissional, especialista que é, resolva o problema de seu filho.

Claro que há inúmeros tipos de demandas que podem e devem ser trabalhados diretamente com a criança em terapia mas a maioria dos casos depende de envolvimento dos pais. A criança tem necessidades autênticas que não podem ser supridas por psicólogos, médicos, professores etc… apenas pela família.

Lembro-me de um casal que trouxe a filha de 12 anos que estava triste porque sentia falta de passar mais tempo com o pai, que tinha dois empregos. A expectativa era a de que eu, como terapeuta, fizesse algo que tornasse sua filha menos triste sem precisarem mexer na configuração de trabalho do pai.

O aspecto mais relevante dessa problemática não é a limitação dos profissionais diante das infinitas demandas por felicidade e bem-estar. O que mais entristece na verdade é a abdicação que muitos casais fazem de seu papel de pais. Educar e criar não se mostra tarefa fácil mas pode ser prazerosa e recompensadora. Ah, se os pais descobrissem como é bacana assumir integralmente a criação dos filhos, sem evitar as angústias e limitações próprias da existência. A vida é agora!

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